vida, sal e água
Nessa noite casaram e no dia seguinte havia um banquete. O príncipe deu ordens: «Nada de sal e água ao tal rei.»
Sentaram-se à mesa e a jovem rainha estava perto do seu pai, mas este não comia. A filha disse-lhe:
«Real Majestade, porque não comeis? A comida não vos agrada?»
«Que ideia! Está muito boa.»
«Então porque não comeis?»
«Não me sinto muito bem.»
A noiva e o noivo serviram-lhe algumas garfadas de carne, mas o rei não as quis e ruminava como a cabra (acaso podia comer sem sal?).
Quando acabaram de comer começaram a contar histórias. O rei, doente como estava, contou todo o fado da sua filha.
«E vós, Real Majestade», disse a filha, «se vísseis a vossa filha, reconhecê-la-íeis?»
«Sabe Deus quando a vi pela última vez!»
Ela levantou-se e foi vestir a roupa de quando partiu do seu pai rumo à morte. «Vamos, Real Majestade, estais a ver a vossa filha? Que sou eu a vossa filha? Mandaste-me matar porque vos tinha dito que vos amava quanto o sal e a água; agora vistes o que é comer sem sal nem água.»
O pai dela não conseguiu dizer uma palavra, mas abraçou-a e pediu-lhe perdão.
Assim ficaram felizes e contentes e nós cá estamos sem cheta.
Francisco Vaz da Silva – Gata Borralheira e Contos Similares (2011)
Círculo de Leitores e Temas e Debates (2011)
Salinas Aveiro