Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

02
Out23

Satyagraha (II)

Cecília

Severino temia sobretudo a reação dos grandes proprietários portugueses, alguns dos quais possuíam verdadeiros exércitos privados. Contudo, esses sertanejos representavam uma ameaça remota, pois estavam a muitas centenas de quilómetros da capital e decorreriam várias semanas antes que soubessem do acontecido. Até lá, seria possível tomar medidas preventivas e mesmo, se necessário, requerer o apoio de nações amigas. Confiava-se, por outro lado, que a maioria dos colonos acabaria defendendo o levantamento, dadas as evidentes vantagens económicas que para todos adviriam da autonomia política da província. 

 

José Eduardo Agualusa – A Conjura (1989)

Quetzal Editores (2017)

 

transferir.jpg

 

 

20
Set23

por isso e isto é que aquilo

Cecília

Depois da experiência na piscina oceânica, saltou para a piscina de Barcarena. Limpou escritórios e até casas. [...] «Eu tinha um negócio de dobrar o papel higiénico diferente, dobrava as toalhas de forma diferente, fazia uns truques que aprendi em Inglaterra, então usava isso para dar uma diferenciada.» Durante o período em que trabalhou nestes sítios, Carol nunca teve um contrato. No dia em que pediu um, viu o valor pago à hora diminuir de quatro euros e meio para três euros e meio e um subsídio de alimentação de 34 cêntimos. Ou seja, em 31 dias, receberia 10,54 euros de valor de subsídio de refeição. Com esta proposta, a jovem recusou o contrato. Mas nem todas o recusam e, por isso, continuam a aparecer propostas deste género. «Acabamos por nos submeter a salários baixos para conseguirmos ter um contrato.»

 

Rita Pereira Carvalho – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

14
Set23

sociedade coach

Cecília

Não pretende ficar durante muito tempo com os três empregos e provavelmente as limpezas serão as primeiras a desaparecer da sua rotina [...] 

Uma das principais razões para abandonar as limpezas passa pelo relógio. Acordar tão cedo mexe com as suas rotinas [...] Mas existe ainda outra razão: «Tu sentes que quando és das limpezas te tornas invisível em relação às outras pessoas.» [...]

Por exemplo, incomoda-me muito quando alguém passa por mim e não cumprimenta, às vezes nem reparam que estamos ali e outra vezes olham e fingem que não está ali ninguém. Ou quando dizes «eu trabalho nas limpezas», e alguém diz «a sério? Trabalhas nas limpezas? Mas estás lá a fazer o quê?» Como se fosse um trabalho de vergonha. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

14
Set23

girando em frente

Cecília

Assim que começou a limpar o Parlamento - há tantos anos que já nem se lembra -, depois de ter trabalhado num lar, a mulher de cabelos cinzentos a denunciar mais de meio século de vida pensou em despedir-se logo no primeiro mês. O motivo era simples: de tão grande que é a Assembleia da República, Feliciana Afonso sentia medo só de pensar que tinha de se deslocar de uns sítios para os outros sem saber o caminho. O tempo fez questão de lhe ensinar os percursos e as contas para pagar ao final do mês acabaram por pesar mais do que qualquer insegurança. [...]

Durante a pandemia, deixou de se preocupar com as incertezas. Nunca se preocupou muito com o futuro, agora ainda menos. Fechou os olhos e teve «fé em Deus». Só.

Se tiver de ter tenho, se não tiver de ter não tenho. Mesmo quando estava no centro de dia não tinha medo de nada. Sou uma mulher de trabalho e não temos de ter medo de nada. Não, não. Nem é por limpar o chão que sou menos que os outros. Olhe, tanto me pega a mim, como ao senhor primeiro-ministro. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

02
Ago23

visto interesse(s) nacional/(ais)

Cecília

Dos cerca de 40 mil trabalhadores nas limpezas industriais, mais de metade não são portugueses. O STAD fala em cerca de 25 mil trabalhadores estrangeiros, ou cujos pais não nasceram em Portugal.[...]

A mão de obra estrangeira começa a aparecer quando os salários baixam para o mínimo possível. «Ganhava-se muito bem na limpeza. Nos anos 90, o setor da limpeza era onde mais se ganhava. Eu, por exemplo, cheguei a ganhar acima do salário mínimo cerca de 150 euros. Nos anos 90 era muito dinheiro. Depois, quando o salário começou a baixar, com ordenado mínimo, com direitos a serem reduzidos, claro que deixou de haver tanta oferta. Onde é que eles foram buscar? A quem precisava mesmo»

 

Rita Pereira Carvalho – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

02
Jun23

vacinem-se! ah, esperem, falta o €€€€€€€€

Cecília

A vacinação é um dos exemplos que ajudam a perceber o desequilíbrio da balança quando se pesam setores. Os hospitais foram os primeiros locais a receber as vacinas contra a COVID-19, ainda no ano de 2020. Na prática, médicos, enfermeiros, auxiliares e trabalhadores da limpeza foram vacinados, num processo que demorou alguns meses. É aqui que o equilíbrio começa a desvanecer-se: quem limpa é normalmente contratado por empresas externas, não faz parte do Serviço Nacional de Saúde e, por isso, cerca de metade das mulheres que limpam os hospitais não foram incluídas nas listas prioritárias. Em abril, altura em que o plano de vacinação já incluía parte dos professores e auxiliares das escolas públicas e privadas, as empregadas dos maiores hospitais [...] ainda não tinham recebido qualquer dose da vacina. Algumas instituições começaram então, por sua iniciativa, a vacinação de todos os seus trabalhadores, mas em certos casos foi necessário avançar com abaixo-assinados entregues às administrações. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

01
Jun23

dia da criança

Cecília

Num primeiro momento, a tendência é para generalizar e pensar que crianças com 7 anos têm a mesma rotina e vidas semelhantes, divididas entre casa e escola. Mas depois escava-se na realidade e nem é preciso muito para se perceber que essa ideia não podia estar mais errada e que há crianças que não chegam a cumprir oito horas de sono. O filho de Elissangela acorda de madrugada, vai para a ama pouco depois das cinco da manhã e, de seguida, segue para a escola. Ao final do dia, a ama vai buscá-lo às aulas e, antes de jantar, Elissangela leva-o de volta para casa. Sempre assim, cinco dias por semana. Não é uma rotina instável, mas é um hábito cansativo. [...]

A história de Diogo é, no entanto, diferente. Esta criança faz um sacrifício que a maior parte das crianças, certamente, nunca conheceu nem imagina: acorda de madrugada para acompanhar a mãe até ao trabalho, acabando por sair da cama umas cinco horas antes de as aulas começarem. Se alguém for distraído e encontrar Diogo no autocarro 726 da Carris, com destino ao Marquês de Pombal, por volta das cinco e meia da manhã, pode nem se aperceber de que ele acordou cedo e de que, sendo uma criança, não deveria estar ali àquela hora. Mas este miúdo leva consigo uma felicidade comparável com aquela que provavelmente os seus amigos têm ao sair das aulas [...] 

Sentado nos últimos bancos estava Diogo. Para esta criança, o relógio parece ter mais horas. «Acorda todos os dias às quatro da manhã e sempre bem-disposto [...] », [...] É assim todos os dias, e todos os dias Diogo acorda com a mesma energia. 

 

Rita Pereira Carvalho – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

29
Mai23

mudança de paradigmas

Cecília

Ismário é dos poucos homens de balde e pano nas mãos por aquela zona. O paradigma está, no entanto, a mudar. As limpezas eram e ainda são vistas como um emprego de mulheres, mas os homens também marcam a sua presença, ainda que se mantenham ausentes de certos locais, como os hospitais [...] 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

29
Mai23

lavagens

Cecília

Ismário diz [...] «Nas limpezas há sempre alguém que suja de dia e alguém que tem de limpar à noite.»

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

 

08
Mai23

dia da mãe

Cecília

Ao lado da mãe Ana, caminham outras mulheres que vão também fazer limpezas e vêm do mesmo sítio. Ouve-se o riso no meio do silêncio, fruto das respostas que Diogo atira. Antes de entrar na escola, o menino ainda tem tempo para acompanhar a mãe enquanto esta limpa mesas, cadeiras, casas de banho, chão e secretárias de uma instituição bancária na zona do Rato, perto da estação de metro. Não interfere no trabalho, é até uma companhia, e nunca houve oposição por parte da empresa para a qual a mãe trabalha há cerca de 20 anos. 

Já de dia, quando sai do Rato, às oito da manhã, Ana leva o filho à escola, que não fica muito longe dali. E à tarde, como se por magia nunca tivesse abandonado o portão da escola, lá está ela novamente para o levar para casa. Chegada a noite, os trabalhos de casa são feitos, garantia dada pela mãe. «Vem da escola, eu digo-lhe "faz os TPC, lê esse livro" [...]

Ana, Elissangela ou Carol sempre foram obrigadas a adaptar os seus horários em função dos filhos e a encontrar alternativas para conseguirem equilibrar a balança do trabalho e da família. Algumas crianças vão com as mães para o local de trabalho, outras ficam com as amas, ou nas creches, e há ainda quem recorra à família. Em qualquer uma das opções, grande parte das crianças acorda de madrugada, poucos minutos depois das mães. No final da história, estas mulheres correm o dia inteiro pelos filhos e para lhes poderem dar alguma coisa. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Links

  •  
  • Arquivo

    1. 2023
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2022
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2021
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2020
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2019
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2018
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2017
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2016
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    Em destaque no SAPO Blogs
    pub