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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

então diante de mim

31.07.17

Eu perdi a vez de ser simples, 

perdi a vez feliz de ignorar,

perdi a sábia ignorância,

perdi a graça de não saber.

Deixei passar a vez de ir na corrente 

e de ser como toda a gente 

às carambolas da sorte. 

 

Eu perdi a vez de ser analfabeto,

esse segredo para não ser doutor 

e para não saber também

o que as letras sabem 

do mundo e de mim. 

 

(...) ser ignorante não dói 

não dói tanto como não ignorar!

 

Eu deixei passar a vez de ir na onda 

e de ter o entendimento repartido pelos mais, 

começaram por ensinar-me as letras 

e as letras acabaram por dar comigo 

e eu vi-me então diante de mim 

despegado da onda e da corrente 

diferente de toda a gente 

independente da multidão. 

 

 

José de Almada Negreiros, SEGUNDA MANHàin AS QUATRO MANHÃS
Poemas Escolhidos José de Almada Negreiros - Assírio & Alvim | Porto Editora 2016

 

 

 

 

 

a água vai escorrendo

03.01.17

Já é noite e o frio
Está em tudo que se vê
Lá fora ninguém sabe
Que por dentro há vazio
Porque em todos há um espaço
Que por medo não se viu
Onde a ilusão se esquece
Do que o tempo não previu

Já é noite o chão
É mais terra para nascer
A água vai escorrendo
Entre as mãos a percorrer
Todo o espaço entre a sombra
Entre o espaço que restou
Para refazer a vida
No que o tempo não matou

Onde tudo morre tudo pode renascer

Em ti vejo o tempo que passou
O sangue que correu
Vejo a força que moveu
Quando tudo parou em ti
A tempestade que não há em ti
Arrastando para o teu lugar
E é em ti que vou ficar

Já é noite e a sombra
Está em tudo que se vê
Lá fora ninguém sabe
O que a luz pode fazer
Porque a noite foi tão fria
Que não soube acordar
A noite foi tão dura
E difícil de sarar

E onde tudo morre tudo pode renascer

Em ti vejo o tempo que passou
Vejo o sangue que correu
Vejo a força que me deu
Quando tudo parou em ti
A tempestade que não há em ti
Arrastando para o teu lugar
E é em ti que vou ficar

Porque eu descobri a casa onde posso adormecer
Eu já desvendei o mundo e o tempo de perder
É tudo é mais forte e há mais cor no céu maior
É Aqui tudo é tão novo tudo pode ser amor

E onde tudo morre tudo volta a nascer

Em ti vejo o tempo que passou
Vejo o sangue que correu
Vejo a força que me deu
Quando tudo parou em ti
A tempestade que não há em ti
Arrastando para o teu lugar
E é em ti que vou ficar

Já é dia e a luz
Está em tudo que se vê
Cá dentro não se ouve
O que lá fora faz chover
Na cidade que há em ti
Encontrei o meu lugar
É em ti que vou ficar.

 

Tiago Bettencourt - O Lugar 
Álbum: O Jardim
Data de lançamento: 2007