Acontece que, mesmo em contextos de menor exigência, como era o caso do bengaleiro do Museu Berardo, os problemas podiam surgir. «Uma vez fui abordado em espanhol por uma senhora americana. Eu respondi-lhe em inglês, dizendo que não sabia falar espanhol, ao que ela perguntou se não podia falar espanhol em Portugal. Eu disse-lhe que sim, mas aconselhei-a antes a falar inglês, por todas as razões. Expliquei-lhe que há umas animosidades históricas e que há portugueses que não reagem bem quando lhes falam em espanhol. Ela agradeceu com um sorriso largo, mas depois foi fazer uma queixa online, a dizer que eu a tinha feito perder o tempo dela, enquanto lhe dava uma lecture sobre que línguas é que ela podia ou não podia falar.»
Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)
Nas sociedades democráticas, o percurso que vai do racismo e do preconceito à discriminação não é um caminho direto. Ele passa pelo crivo da legitimação e esta necessita de validação social, invocando argumentos percebidos como justos e dissociando-se de motivações racistas. Então, justificações razoáveis podem tornar toleráveis crenças racistas e comportamentos discriminatórios. Estas justificações legitimadoras são frequentes e muito diversificadas, mas parecem alicerçar-se num fator aglutinador: a preservação da identidade positiva da maioria [...] a necessidade de legitimar a discriminação dissociando-a da sua base racista e associando-a a um comportamento justo, defensivo ou contraofensivo, face ao sentimento de ameaça à identidade da maioria dominante.
Esta necessidade de legitimação acontece, porém, apenas nas sociedades democráticas. A questão que se pode colocar é a de saber se, num clima de enfraquecimento dos valores da democracia, o antirracismo não será também questionado.
Estaremos a entrar num cenário dos anos 20 como o que Bergman retratou no seu filme marcante O Ovo da Serpente?
Nessa altura, era a ascensão do nazismo que se via crescer, como se pode ver o crescimento da serpente no interior do seu ovo. Tal como o filme retrata, contudo, toda a gente olhava, mas ninguém o via realmente. Hoje são muitos os sinais dos limites à democracia, do autoritarismo, da relativização das desigualdades sociais e da discriminação racial que aparentemente se tornaram invisíveis. Será necessário desenvolver investigação e debate que os torne salientes, pois reconhecê-los é um passo necessário para os eliminar.
Jorge Vala – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)
The voice of energy
This is the voice of energy I am a giant electrical generator I supply you with light and power And I enable you to receive speech Music and image through the ether I am your servant and lord at the same time Therefore guard me well Me, the genius of energy
[...] e ali nos sentávamos, às cinco da manhã, à espera de serviço, à espera que algum carteiro efectivo telefonasse a dizer que estava doente. Normalmente, os carteiros efectivos adoeciam quando chovia ou quando havia uma vaga de calor, ou então depois de um feriado, quando o correio duplicava.