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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

esmagar a rotina que esmaga

fardos da família já nenhum assusta

31.03.22

Entre formação e atendimento propriamente dito, Ricardo trabalhava para a Livingbrands Portugal há três meses, altura em que lhe propuseram subir de patamar. Deixaria para trás os telefones e os tablets e passaria a dar assistência a quem comprava computadores, portáteis e de secretária. «Foi a partir daí que as coisas começaram a correr muito mal para o meu lado.» A mudança de funções implicou uma semana de formação específica e um crescimento na exigência do serviço a prestar, sem qualquer melhoria na remuneração. «Achavam que ficávamos gratos pela simples aposta em nós.» Mas foi o aumento da pressão que acabou por arruinar a experiência de trabalho de Ricardo. «Comecei a ter de lidar com problemas muito mais complexos, e eu achava que não tinha apoio nem competências suficientes para os resolver. Ao fim de pouquíssimo tempo, disse-lhes que a coisa não estava a resultar, partilhava com eles as minhas inseguranças, e eles mandavam-me continuar: "Está tudo a correr bem, não te preocupes."» Dada a elevada rotatividade de funcionários desde as fases mais embrionárias do processo, os responsáveis tentam responder às crescentes solicitações e aos objectivos da Apple com a matéria-prima que têm à mão, com aqueles que se aguentam há dois, três meses. Nesta fase, e tendo em conta as saídas constantes, acabam por ser encarados quase como seniores do serviço de apoio ao cliente. «Eu achava que não estava a corresponder e comecei a entrar mesmo em stress, sentia dores de cabeça terríveis - sempre as tive, mas ali agravaram-se -, sentia ansiedade, pânicos.»

 

Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)

 

 

quebra verniz(es)

18.03.22

... por entre as algas, vejo a inveja, o ciúme, o ódio e o desprezo rastejarem como caranguejos por sobre a areia. 

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

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-minded

18.01.22

"They don't need to be invited, they can just come." [...] "Olive, sometimes people like to be invited. I, for example, would have loved to be invited to your house on many occasions, but you've not invited me except for that one time when I asked you to take me over. And so I have felt rebuffed. Do you see that?"

Olive exhaled loudly. "You could have called."

"Olive, I just told you I did call. I called you a couple of times, and because you turned off your friggin' answering machine, you didn't know I called." [...] "Only pointing out here that people can't read your mind.

 

Elizabeth Strout – Olive, Again (2019)
Penguin Random House UK (2019)

 

 

tagarelices degradantes

18.01.22

Sinto-me ofendido pela sua tagarelice, pelos seus risinhos; é algo que perturba a minha calma, fazendo com que, em momentos da mais pura exaltação, me veja obrigado a lembrar a degradação humana. 

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

contra ventos e moinhos

24.09.21

A reclamação, curiosamente (e premonitoriamente), é datada de 10 de dezembro de 1945 (exatamente um ano antes da Declaração Universal dos Direitos do Homem), e é dirigida ao presidente da Assembleia Nacional, nessa altura o Dr. Albino dos Reis.

Na reclamação, Aristides começa por relembrar a situação vivida em Bordéus em maio/junho de 1940, e a proibição recebida por parte do governo português de conceder vistos aos israelitas (de acordo com a Circular 14). Diz ele que não devia obedecer àquela proibição por a considerar inconstitucional em virtude do artigo 3.º da Constituição, que garante liberdade e inviolabilidade de crenças, não permitindo que ninguém seja perseguido por causa delas, nem obrigado a responder acerca da religião que professa. Acrescenta ainda que se não obedeceu, não fez mais do que resistir, nos termos do n.º 18 do artigo 8.º da Constituição, a uma ordem que infrigia manifestamente as garantias individuais, não legalmente suspensas nessa ocasião (artigo 8.º n.º 19).

Mais adiante, pede à Assembleia para declarar nula a pena que lhe foi imposta por Salazar, exigindo a respetiva responsabilidade àquele ou àqueles funcionários que, dando-lhe a referida ordem, «atentaram contra a Constituição e o regime estabelecido (artigo 115.º, n.º 2). Para terminar, Aristides escreve que «a Assembleia Nacional deve pôr termo ao absurdo de ele ter sido severamente punido por factos pelos quais a administração [Salazar] tem sido elogiada em Portugal e no estrangeiro, manifestamente por engano [...] Em resumo, a atitude do governo Português foi inconstitucional, antineutral e contrária aos sentimentos de humanidade e, portanto, insofismavelmente "contra a Nação".»

Mais uma vez, Aristides fica à espera... Mas quem é que na Assembleia Nacional, formada unicamente por elementos da União Nacional, tinha coragem de reagir? Ninguém, certamente, sobretudo, porque o senhor presidente da Assembleia Nacional não terá dado autorização para que esse reclamação fosse entregue aos senhores deputados. 

E o que faz Aristides? Decide escrever uma carta a cada um dos 120 deputados, para ter a certeza de que a vão receber, e vai entregá-la em mão à porta da Assembleia 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)

 

redor

07.06.21

Na entrada do prédio dela havia um aviso:

NÃO É PERMITIDO FAZER BARULHO OU QUALQUER TIPO DE DISTÚRBIO, AS TELEVISÕES DEVEM SER DESLIGADAS ÀS DEZ DA NOITE. HÁ AQUI PESSOAS QUE TRABALHAM.

Era um aviso grande, pintado a vermelho.

- Agrada-me aquela parte das televisões - disse-lhe eu. 

 

Charles Bukowski – Correios (1971)

Antígona (2015)

 

 

bota sofrimento nisso (ou como volta tudo ao mesmo)

11.05.21

Foi, realmente, um momento esplendoroso, «um desses milagres que alteram a mentalidade das pessoas», que possibilitou no curto espaço de um ano que se passasse do amargo ceticismo português - que é dizer mal de tudo e não acreditar em nada -, para a euforia de tudo se cometer. De repente, há um turbilhão chamado «rock português». Um movimento com uma energia imparável. Surgem os UHF, os Xutos & Pontapés, os Táxi, os Jafumega e muitos, muitos outros

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

judeias à beira mar plantadas (ou venenos II)

04.05.21

Presença ausente, intratável e carinhoso, dado a explosões repentinas e a silêncios densos, mas de coração lavado. Incapaz de guardar rancores, alimentar ódios, estimular querelas. Mas cheio de uma inquestionável autoridade que o levava a confrontar até o maior dos seus amores, a própria mãe. O facto é que toda a gente o respeitava muito. Até o pai.

- Mas se tivesses de dizer alguma coisa, dizia. Não ia lavar as mãos ao rio. Uma vez virou-se para a minha mãe, e disse-lhe, você é uma beata. O que anda você a fazer na igreja? É uma beata, isso é um beatismo. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

brilhos certos e o elogio de brilhos errados

03.05.21

Maria Adosinda, a cunhada, conta:

- Olhava para a minha sogra, brilhavam-lhe os olhos. Ela adorava-o e ele tinha um cuidado muito especial com ela. 

No carro, dava-lhe sempre o lugar da frente. Ajudava-a a sentar-se, a levantar-se, dava-lhe o braço na rua. Mas se via uma dessas senhoras de nariz empinado e ar importante, dizia: Olha para aquilo, parecem mesmo umas peruas. Detestava as velhas da alta sociedade, porque não via nelas a sinceridade que se vê numa pessoa do campo, pobre, humilde... então, quando lhe aparecia uma cliente a dizer, eu gosto assim, mas o António que acha?, ele faria uma coisa correta. Mas se ela entrasse toda cheia de nove horas: Ai, eu isto, eu aquilo, assim não, quero tudo armado! ele exagerava tanto que ela saía do salão a parecer uma maluquinha. Depois vinha-nos contar e fartávamo-nos de rir. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)

Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

cada gota, conta

15.04.21

Plano nacional de combate ao racismo e à discriminação 2021-2025

 


Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação já está disponível para consulta pública e a Federação foi uma das entidades consultadas para a elaboração do documento.

A Federação Portuguesa de Futebol contribuiu para a construção do Plano de Combate ao Racismo e à Discriminação, que foi apresentado esta sexta-feira e já está disponível para consulta pública.

O organismo que tutela o futebol nacional foi uma das entidades desportivas consultadas para elaborar o anexo 9 deste documento.

Para além da FPF, também a Liga Portugal e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol foram ouvidos antes da conclusão deste trabalho e as três entidades enviaram uma proposta conjunta de medidas a incluir neste Plano.

O documento está organizado a partir de 4 princípios (“Destruição de estereótipos”, “Coordenação, governança integrada e territorialização”, “Intervenção integrada no combate às desigualdades” e “Intersecionalidade”) e 10 áreas de atuação: “Governação, informação e conhecimento para uma sociedade não discriminatória”, “Educação e Cultura”, “Ensino Superior”, “Trabalho e Emprego”, “Habitação”, “Saúde e Ação Social”, “Justiça, Segurança e Direitos”, “Participação e Representação”, “Desporto” e “Meios de Comunicação e o Digital”.

O Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, que prevê também vagas específicas na Universidade para alunos carenciados, estará disponível para consulta pública até ao próximo dia 10 de maio.

in https://www.fpf.pt/pt/News/Todas-as-not%C3%ADcias/Not%C3%ADcia/news/29192?smkid=1%3AU4UmqcSXqNc&utm_source=smarkio_email&utm_campaign=NLFPF_20210415_Racismo&utm_medium=email