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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

04
Out23

província retangular

Cecília

So when I got back and saw that he was so sorry, I told him that, the business about this being a class thing, very calmly, and do you know? We must have talked for two hours straight, we just talked and talked, and he said he was kind of a peasant too, and that's why he was so sensitive about people being provincial, because all his life he had deep down felt provincial, and he didn't want to be. He said, I'm a snob Olive, and I'm not proud of that. 

Elizabeth Strout – Olive, Again (2019)
Penguin Random House UK (2019)

Clero, Nobreza e Povo, Vila Velha do Cu de Judas
Cartoon de João Abel Manta, Lisboa, 1970 (c.), Portugal.

in https://www.arquipelagos.pt/imagem/clero-nobreza-e-povo-vila-velha-do-cu-de-judas-cartoon-de-joao-abel-manta-1970-c-portugal/

 

02
Ago23

visto interesse(s) nacional/(ais)

Cecília

Dos cerca de 40 mil trabalhadores nas limpezas industriais, mais de metade não são portugueses. O STAD fala em cerca de 25 mil trabalhadores estrangeiros, ou cujos pais não nasceram em Portugal.[...]

A mão de obra estrangeira começa a aparecer quando os salários baixam para o mínimo possível. «Ganhava-se muito bem na limpeza. Nos anos 90, o setor da limpeza era onde mais se ganhava. Eu, por exemplo, cheguei a ganhar acima do salário mínimo cerca de 150 euros. Nos anos 90 era muito dinheiro. Depois, quando o salário começou a baixar, com ordenado mínimo, com direitos a serem reduzidos, claro que deixou de haver tanta oferta. Onde é que eles foram buscar? A quem precisava mesmo»

 

Rita Pereira Carvalho – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

23
Mai23

da saga: "não sou racista [mas...] porque insisto em não tirar as palas dos olhos" IV

Cecília

[...] dizendo alto e rindo muito que Mattoso queria ser camarista era só para poder recuperar os antigos escravos:

- Mattoso chega à câmara, pede o apoio do governador-geral e kuáta 10 os pretos para lhe trabalharem a fazenda. Toda a gente sabe que com a abolição da escravatura esse ambaquista quase faliu, não houve monangamba que lhe aguentasse os maus tratos, fugiram todos! - E com os olhinhos fechados de gozo, virando-se para Vieira Dias: - Pois, que os princípios não enchem barriga. Tanto vocês gritaram contra a escravatura e agora querem é voltar atrás... [...]

Caninguili, porém [...] não conseguindo conter-se replicou que o que estava em causa não era o zelo antiescravista do senhor Mattoso:

- O senhor Mattoso não será certamente um homem de impoluto passado. Mas numa terra como a nossa só remexe no passado dos outros quem gosta de sujar as mãos. O que está em causa é aquilo que para nós, angolanos, pode significar a eleição de Mattoso da Câmara. Afinal ele é um filho do país; conhece a terra melhor do que aqueles que vieram de fora.

Ezequiel abespinhou-se:

-Lá me vêm os senhores com essa conversa. Somos todos portugueses, ouviu? Portugueses de Angola ou portugueses do reino é tudo a mesma coisa. E, de resto, o senhor também veio de fora...

Esta última frase foi interrompida por um martelado bater de palmas [...]

- Falou o rei! - Arantes Braga ria agora abertamente. - E diga-me lá o distinto lusitanófilo de que nos vale a nós a lusitanidade? De que nos vale a nós sermos iguais a um povo miserável, analfabeto e bruto? E que nos pretende civilizar enviando-nos o pior lixo das suas sarjetas sociais: os seus ladrões, assassinos e prostitutas?

Arantes Braga era sempre assim. Redundante, provocador, de verbo fácil e excessivo. Onde quer que chegasse era vê-lo atear incêndios, a desatar os ventos, a encapelar os mares...

- Puta que o pariu! - O velho Afonso erguia o dedo apoplético. - Se não fôssemos nós, ainda vocês andavam de tanga, a devorarem-se uns aos outros. A fazerem porcarias.

E avançava contra Braga na evidente intenção de se medir com ele. Caninguili pôs-se de permeio, pediu calma, agarrou Afonso pelos ombros. Vieira Dias tentava puxar Braga para fora do salão.

Por fim lá conseguiram acalmar Afonso, que acabou por ir embora resmungando contra a ingratidão desses pretos.

- Demos-lhes tudo - dizia, afivelando o chapéu colonial -, ensinámo-los a ler, a vestir, a calçar, para quê? Para se virarem agora contra nós!

E tendo subido em sua machila 11 ainda berrou para trás, como quem cospe, os seus sujos quimbundus de branco matoense.

- Bu uadila, kunene-bu 12 !

 

10 Agarra

11 Tipoia

12 Onde comes não cagues. 

 

José Eduardo Agualusa – A Conjura (1989)

Quetzal Editores (2017)

 

 

08
Fev23

moral, bom senso, paz de espírito, regras de vida, meio termo, ambição ignorada.

Cecília

1755 fora uma data também especial. Com as velhas paredes dos palácios setecentistas  de Lisboa caíra também uma certa casta vigorosa e subtil do português para quem a sensibilidade era o estribo das suas empresas. Depois o Marquês impusera no reino a sua férrea marca burguesa. A moral sucedeu à doce inconstância da alma de que a inspiração dum povo aproveita; o bom senso tomou o lugar do bom gosto. A paz de espírito foi assegurada pelo uso de regras de vida minuciosas e severas. A gente honesta, amante do meio termo, proliferou, fez bons negócios, e a insipidez que o cálculo protege passou a ignorar a ambição no seu alto sentido. 

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

19 MAR 2021
"Estamos em cima de um barril de pólvora que um dia vai explodir"
Engenheiro especializado em sismos e professor no Instituto Superior Técnico Mário Lopes defende que falta fiscalização das normas relativas à resistência sísmica. E que a prevenção devia começar pelos cidadãos que, desde logo, deviam exigir essas condições quando vão habitar uma casa.

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/19-mar-2021/estamos-em-cma-de-um-barril-de-polvora-que-um-dia-vai-explodir-13475414.html

 

 

28
Set22

vida de retângulo

Cecília

A vida de província era acidentada pela luta mesquinha das opiniões, a intolerância das tendências, a proibição dos afectos; tudo amparado pela fisionomia das paixões, infames porque não contribuíam senão para iludir o tempo e esquecer a morte. Devoções, vícios, simples lágrimas de júbilo ou de luto, tudo resumia o grande tédio que é uma espécie de auréola do martírio para pequenas compleições.

Esses serões, aparentemente fúteis e decorridos em monotonia quase abacial, eram, no entanto, esperados com certo alvoroço. Às vezes deixavam um amargor de descontentamento, porque só traziam um debate a propósito de literatura, coisa que José Augusto parecia de repente abominar. Travavam diálogos bruscos, alterados, pelo gosto de se contradizerem e expandirem uma inimizade que, doutra maneira, não eram capazes de declarar. 

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

in https://henricartoon.pt/o-mau-exemplo-1567206

 

22
Set22

back to 92

Cecília

Pelas contas dos meus entrevistados, o número de pessoal colocado nos serviços de saúde caiu a pique ao longo dos últimos anos. «Há dias estive a remexer uns papéis que tinha guardado, uns folhetos que se distribuíam à população.» É daí que vêm alguns dados lançados para a mesa por João. «Sabe quantos médicos estavam colocados no Centro de Saúde do Algueirão em 2002? Trinta e um. Sabe quantos é que há agora? Onze.» Em relação ao número de administrativos, há cerca de década e meia, havia dois a três elementos por piso a dar apoio aos consultórios (o centro de saúde funciona num antigo prédio de habitação com seis andares). Atualmente, o atendimento é feito exclusivamente no rés-do-chão do edifício, com três ou quatro elementos ao todo. «Havia tanta gente em cada um dos pisos como agora há na totalidade. Não dá para prestar um bom serviço. Já para nem falar no desgaste de quem passa o dia a atender [...] A qualidade do serviço é tão parca e insatisfatória, o número de pessoas em espera nas salas é tão elevado, que qualquer movimento por parte dos funcionários dá azo a burburinho na sala. «Se alguém se levanta para arrumar um papel, há logo quem mande a boca: "Olha, aquela já vai passear", garante Lurdes, que acha que o estado actual das coisas não serve a ninguém, nem a quem precisa dos cuidados de saúde nem a quem trabalha nos respectivos centros. Mais: com a contenção das contratações, proliferam os outsourcings, os recibos verdes, as pessoas trazidas pelas empresas de trabalho temporário, que nem sequer têm acesso a formação e que são imediatamente colocadas a atender ao público. "Olha, aprendes com o do lado", é isso que lhes dizem. Eles não têm culpa, é preciso tempo para ganhar experiência no atendimento, e isto também é sinal de degradação, no fundo são jogados aos lobos e cada um que se desenrasque.»

Se não houver uma estrutura bem organizada, com meios disponíveis e vontade de fazer a diferença, não pode haver um bom atendimento [...] «Não estou a falar de mais dinheiro para nós, estou a falar de mais pessoal, de apoio por parte dos directores, de quem estava acima de nós. Tivemos um director que nos ajudou a fazer umas obras no centro de saúde ao fim-de-semana, mudar balcões, partir uma parede... Éramos nós que as fazíamos ao fim-de-semana, sim, a gente gostava de melhorar as coisas, avançávamos as coisas por nós, não ficávamos à espera. E nessa ocasião tivemos esse director que deu uma ajuda nas obras e até participou nas limpezas. Sentíamos que tínhamos apoio. Estou a falar de 91/92. Depois, tudo isso acabou. »

 

Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)

 

 

21
Abr22

saudades das vibes

Cecília

Imagine que é convidado a responder à seguinte pergunta: «Em que medida considera que as pessoas negras e as pessoas brancas em Portugal são muito diferentes, diferentes, semelhantes ou muito semelhantes no que se refere aos valores que ensinam aos filhos?» Imagine que seguidamente teria de responder à mesma questão, agora relativamente ao grau de preocupação que brancos e negros têm com o bem-estar das famílias, a religião, a educação das crianças, os comportamentos sexuais, etc. Esta questão foi objeto de estudo numa pesquisa, já citada, realizada nos anos 90, no quadro do Eurobarómetro. Os resultados mostraram que, quanto mais os respondentes acentuavam as diferenças culturais entre os cidadãos dos países inquiridos e os imigrantes de países não-europeus, considerando-os culturalmente muito diferentes, mais manifestavam racismo biológico e mais consideravam que os imigrantes - por exemplo, pessoas negras no caso de Portugal - eram incapazes de se adaptar à sociedade de acolhimento [...] à primeira vista acentuar ou exagerar as diferenças culturais não pareceria estar relacionado com racismo tradicional e discriminação. Contudo, os resultados são claros e têm mostrado consistência ao longo de 30 anos de pesquisa. A preocupação de Lévi-Strauss tinha razão de ser: a associação subtil entre diferença e inferioridade é prova disso.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

12
Abr22

a ignorância do medo

Cecília

Basta lembrar o que é dito por uma parte da opinião pública sobre o «rendimento social de inserção» e sobre outros apoios sociais de que beneficiariam injustamente pessoas negras e ciganas. Todas estas ameaças têm sido contestadas por estudos económicos e sociológicos e demonstrada a sua raiz no racismo e preconceito por parte de diversos estudos, vários deles já citados. A mesma linha de pesquisa, em Portugal e noutros países europeus, tem verificado que o racismo e o preconceito estão na base de comportamentos discriminatórios, agressões ou insultos desumanizantes. Contudo, também se verificou que essas discriminações não são percebidas como fruto do racismo ou do preconceito, mas como um resultado do sentimento de ameaça e, consequentemente, como reações de defesa legítimas.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

A Condição Humana, 1935

René Magritte

 

30
Mar22

bentos traficantes

Cecília

(A propósito disto e disto.)

 

Em São Bento juntavam-se os traficantes de todas as províncias - dizia ele. «Portugal, no gozo duma podre tranquilidade, não sai do marasmo vergonhoso da sua cadência, hipocritamente desmentida por charlatães, incapazes de administrarem uma aldeia», escrevia no Porto e Carta, em Março de 1855.

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

in https://somdorock.comunidades.net/serrabulho-revelam-capa-de-porntugal

 

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