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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

a limpeza na AR

26.05.23

Das mulheres dos hospitais, passamos para as mulheres do Parlamento. E não, não são as senhoras deputadas. Aqui fala-se daquelas que são as primeiras a entrar na casa da Democracia. Para a limpar. Às sete da manhã, quando ainda nem os jornalistas podem passar a barreira do detector de metais, já estas mulheres estão em São Bento, de pano e esfregona em punho. Enquanto os deputados se preparavam para discutir, por exemplo, se o 25 de abril deveria ser comemorado com 130 pessoas, ou se as figuras do Estado deveriam confinar-se aos seus espaços e festejar mais tarde a Liberdade, ouviam-se nos corredores os carrinhos atulhados de papel higiénico para garantir que os senhores deputados tinham todas as condições garantidas na hora de uma visita à casa de banho.

Como as cadeiras do Parlamento não se limpam sozinha através do teletrabalho, a solução para dominuir o risco de contágio nestes locais entre as profissionais de limpeza passou por criar um sistema de rotatividade, dividindo as cerca de 50 empregadas em dois grupos. Assim, as que trabalhavam durante uma semana ficavam em casa na semana seguinte. A exceção ia para os dias de plenário, cujos encontros foram reduzidos a um por semana durante o estado de emergência. Ou seja, nestes dias, todas as trabalhadoras se apresentavam ao serviço. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

 

ver para descrer, como em São Tomé

30.11.22

[...] ficaram assim pouco informados, o que quer dizer: ficaram aptos a desenvolver uma intriga. 

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

29/08 - Dia Internacional contra Testes Nucleares

29.08.22

O Dia Internacional Contra Testes Nucleares observa-se anualmente a 29 de agosto.

O objetivo do Dia Internacional Contra Testes Nucleares é claro: unir esforços para alcançar o fim dos testes nucleares.

Este dia é um trampolim para discussões e iniciativas que almejam a paragem dos testes nucleares no globo [...]

Encontros de líderes mundiais, simpósios, conferências e exposições são assim alguns dos eventos realizados anualmente nesta data para chamar a atenção mundial para esta causa.

O Dia Internacional Contra Testes Nucleares é uma data recente: foi a 2 de dezembro de 2009 que a ONU declarou este dia na resolução 64/35.

A origem da data deriva do facto de que foi a 29 de agosto de 1991 que se encerrou um dos maiores locais de ensaios nucleares do mundo: o Semipalatinsk, no Cazaquistão.

A Assembleia Geral da ONU instituiu o Tratado de Interdição Completa de Testes Nucleares em 1996, mas este não foi ainda ratificado por países como Estados Unidos, China, Coreia do Norte, Israel, Índia, Egito, Irão e Paquistão, o que impede a sua entrada em vigor.

Enquanto estes países não ratificarem o tratado, continuar-se-á a desenvolver testes nucleares pelo mundo [...]

in https://www.calendarr.com/portugal/dia-internacional-contra-testes-nucleares/

 

 

levantai-vos

09.03.22

... alguém comenta que as coisas têm sido ditas com tanta frequência, que basta uma palavra para que tudo fique dito.

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

céus pálidos

24.01.22

«Volto a ver a rua do costume. O brilho da civilização como que se gastou. O céu apresenta-se escuro e polido como um osso de baleia. Contudo, há nele uma espécie de luz que tanto pode provir de um candeeiro como do alvorecer. Sinto uma espécie de agitação - algures, numa árvore baixa, os pardais chilreiam. Paira no ar a sensação de que o dia vai nascer. Não lhe chamaria alvorada. Qual o significado de uma alvorada na cidade para um homem velho, parado no meio da rua e a olhar meio tonto para o céu? A alvorada é uma espécie de empalidecer do céu; uma espécie de renovação. Um outro dia, uma outra sexta-feira, um outro vinte de Março, Janeiro ou Setembro. Um outro despertar geral. As estrelas recolhem-se e extinguem-se [...]»

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

contra ventos e moinhos

24.09.21

A reclamação, curiosamente (e premonitoriamente), é datada de 10 de dezembro de 1945 (exatamente um ano antes da Declaração Universal dos Direitos do Homem), e é dirigida ao presidente da Assembleia Nacional, nessa altura o Dr. Albino dos Reis.

Na reclamação, Aristides começa por relembrar a situação vivida em Bordéus em maio/junho de 1940, e a proibição recebida por parte do governo português de conceder vistos aos israelitas (de acordo com a Circular 14). Diz ele que não devia obedecer àquela proibição por a considerar inconstitucional em virtude do artigo 3.º da Constituição, que garante liberdade e inviolabilidade de crenças, não permitindo que ninguém seja perseguido por causa delas, nem obrigado a responder acerca da religião que professa. Acrescenta ainda que se não obedeceu, não fez mais do que resistir, nos termos do n.º 18 do artigo 8.º da Constituição, a uma ordem que infrigia manifestamente as garantias individuais, não legalmente suspensas nessa ocasião (artigo 8.º n.º 19).

Mais adiante, pede à Assembleia para declarar nula a pena que lhe foi imposta por Salazar, exigindo a respetiva responsabilidade àquele ou àqueles funcionários que, dando-lhe a referida ordem, «atentaram contra a Constituição e o regime estabelecido (artigo 115.º, n.º 2). Para terminar, Aristides escreve que «a Assembleia Nacional deve pôr termo ao absurdo de ele ter sido severamente punido por factos pelos quais a administração [Salazar] tem sido elogiada em Portugal e no estrangeiro, manifestamente por engano [...] Em resumo, a atitude do governo Português foi inconstitucional, antineutral e contrária aos sentimentos de humanidade e, portanto, insofismavelmente "contra a Nação".»

Mais uma vez, Aristides fica à espera... Mas quem é que na Assembleia Nacional, formada unicamente por elementos da União Nacional, tinha coragem de reagir? Ninguém, certamente, sobretudo, porque o senhor presidente da Assembleia Nacional não terá dado autorização para que esse reclamação fosse entregue aos senhores deputados. 

E o que faz Aristides? Decide escrever uma carta a cada um dos 120 deputados, para ter a certeza de que a vão receber, e vai entregá-la em mão à porta da Assembleia 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)

 

definições concretas

07.09.21

A consciência igualitária dos Europeus só foi despertada após o genocídio de judeus, ciganos, negros e outras minorias consideradas desviantes, em nome da crença nazi na supremacia ariana e na necessidade de a preservar. Esta crença é o protótipo do racismo na história contemporânea. Consideramos racista, a ideologia de acordo com a qual a diversidade humana pode ser agrupada em raças inerentemente desiguais, em que umas têm superioridade e poder sobre outras. Consideramos antirracistas todas as ideias, comportamentos, ou políticas que visam demolir essa ideologia e as suas consequências sociais.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

fundamentos

24.08.21

Perceber os «outros» como menos humanos, permite à maioria recusar-lhes atenção e invisibilizar o seu sofrimento, tornando a sua discriminação mais provável. Em nome dos «nossos», a rejeição de outros povos e a sua inferiorização têm-se registado na história das sociedades, baseadas em motivos económicos ou políticos, em diferenças salientadas nas características físicas, nas crenças, nos comportamentos, nos modos de vida, nos costumes e na religião. Neste sentido, pode dizer-se que existiu um «protorracismo» antes da teorização da ideia de raça e da sua fundamentação biológica, como viria a acontecer no século XIX. O racismo cultural com que nos confrontamos hoje é um prolongamento do racismo biológico sistematizado no século XIX e envolve os mesmos princípios, como a ideia de essência e a ideia da hierarquia e dominação [...] Recentemente, a Comissão Europeia criou uma Missão para «a defesa do modo de vida europeu», um suposto credo europeu. Esta Missão tanto pode, segundo uns, responder aos apelos daqueles que olham para as migrações e os refugiados com as lentes do racismo biológico ou cultural, vendo neles uma ameaça «ao modo de vida europeu», como pode, segundo outros, promover os «direitos humanos, a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de direito». Um terreno ambíguo, portanto. Um terreno tão ambíguo, que a Missão passou a designar-se «promoção do estilo de vida europeu», sinal de uma perspectiva assimilacionista que não anula o problema de fundo.

Até agora, contudo, a maioria dos Europeus tem resistido ao racismo e à sua mutação para uma base cultural [...] A sobrevivência desta norma e a sua evolução para uma norma pró-igualitária dependerá da reflexibilidade coletiva sobre os fundamentos da democracia. 

 

Jorge Vala – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

detrações

15.07.21

Há quem garanta que esta "é uma história mal contada". O já falecido historiador José Hermano Saraiva, conhecido admirador do ditador, disse e escreveu: «Aristides de Sousa Mendes é uma invenção de uma certa esquerda para denegrir a memória de Salazar.» E mais: «Quem salvou os refugiados em 1940 foi o comboio [...] para lá, levavam volfrâmio, e para cá traziam refugiados.» É a versão do "volfrâmio humanitário", uma perigosa tentativa de revisionismo. José Hermano Saraiva nem pensou nas questões técnicas: comboios para minério (abertos) não são a mesma coisa que comboios para passageiros. É verdade que os nazis também usavam comboios de carga (fechados) para levar pessoas para os campos de concentração... E há outro detalhe: a bitola dos comboios ibéricos não é a mesma dos comboios para lá da fronteira de Hendaye.

Para outros, a desobediência à Circular 14 é um episódio que em vez de nos encher de orgulho nos enche de embaraço, e é melhor nem falar no assunto. Seria muito melhor se fosse mentira. E há, na realidade, tentativas de contar os factos de outra maneira, algumas que demonstram até uma abundante criatividade. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)