Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

da saga: "não sou racista [mas...] porque insisto em não tirar as palas dos olhos" III

23.05.23

"Dad! They called you Frenchie?" Oh sure, Denny said, with a chuckle. "It's not funny," his son had said, adding, "Mrs. Kitteridge, way back in seventh grade, she told us this country was supposed to be a melting pot, but it never melted, and she was right," and he had gotten up and walked away, leaving Denny with his yearbook open on the kitchen table.

Mrs. Kitteridge was wrong. Times changed.

But Denny [...] now saw his son's point: To be called "Frenchie" was no longer acceptable. What Denny's son had not understood was that Denny had never had his feelings hurt by being called "Frenchie." As Denny kept walking, digging his hands deeper into his pockets, he began to wonder if this was true. He realized: What was true was that he, Denny, had accepted it. 

 

Elizabeth Strout – Olive, Again (2019)
Penguin Random House UK (2019)

 

 

sistemas

15.03.22

Por exemplo, os comportamentos violentos e deliquentes são geralmente associados a minorias. Como explicar esta associação recorrente entre minorias e comportamentos deliquentes? Será mesmo assim ou trata-se de uma percepção enviesada? Uma investigação replicada frequentemente ajuda-nos a responder a esta pergunta.

Aos participantes neste estudo apresentam-se frases em que indivíduos de dois grupos diferentes (A e B) são descritos como tendo realizado comportamentos positivos e negativos. Além disso, é dito que o grupo A tem o dobro dos membros do grupo B, sendo deste modo criada a ideia de que o grupo A é maioritário relativamente a B. São ainda apresentados mais comportamentos positivos do que negativos para ambos os grupos e a proporção de comportamentos positivos e negativos é a mesma para ambos os grupos. É pedido aos participantes que recordem o número de comportamentos positivos e negativos de cada grupo. Resultado: eles tendem a lembrar-se aproximadamente do mesmo número de comportamentos positivos em ambos os grupos, contudo subestimam o número de comportamentos negativos do grupo maioritário e sobrestimam esses comportamentos no grupo minoritário. Ou seja, os participantes estabelecem uma «correlação ilusória», associando os comportamentos negativos (menos frequentes) ao grupo minoritário (menos frequente), isto é, associaram duas realidades pouco frequentes. A sobrestimação de comportamentos negativos nos grupos minoritários será com grande probabilidade o resultado de um mecanismo cognitivo enviesador, uma ilusão produzida pelo sistema cognitivo de quem perceciona.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

detrações

15.07.21

Há quem garanta que esta "é uma história mal contada". O já falecido historiador José Hermano Saraiva, conhecido admirador do ditador, disse e escreveu: «Aristides de Sousa Mendes é uma invenção de uma certa esquerda para denegrir a memória de Salazar.» E mais: «Quem salvou os refugiados em 1940 foi o comboio [...] para lá, levavam volfrâmio, e para cá traziam refugiados.» É a versão do "volfrâmio humanitário", uma perigosa tentativa de revisionismo. José Hermano Saraiva nem pensou nas questões técnicas: comboios para minério (abertos) não são a mesma coisa que comboios para passageiros. É verdade que os nazis também usavam comboios de carga (fechados) para levar pessoas para os campos de concentração... E há outro detalhe: a bitola dos comboios ibéricos não é a mesma dos comboios para lá da fronteira de Hendaye.

Para outros, a desobediência à Circular 14 é um episódio que em vez de nos encher de orgulho nos enche de embaraço, e é melhor nem falar no assunto. Seria muito melhor se fosse mentira. E há, na realidade, tentativas de contar os factos de outra maneira, algumas que demonstram até uma abundante criatividade. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

 

quaquaraquaquá

21.06.21

he kept thinking of his wife, Betsy, and he wanted to howl. He understood only this: that he deserved all of it. He deserved the fact that right now he wore a pad in his underwear because of prostate surgery, he deserved it; he deserved his daughter not wanting to speak to him because for years he had not wanted to speak to her - she was gay; she was a gay woman, and this still made a small wave of uneasiness move through him. Betsy, though, did not deserve to be dead. He deserved to be dead, but Betsy did not deserve that status [...] 

When his wife was dying, she was the one who was furious. She said, "I hate you." And he said, " I don't blame you." She said, "Oh, stop it." But he had meant it - how could he blame her? He could not blame her. And the last thing she said to him was: "I hate you because I'm going to die and you're going to live."

As he glanced up a seagull, he thought, But I'm not living, Betsy. What a terrible joke it has been. 

 

Elizabeth Strout – Olive, Again (2019)
Penguin Random House UK (2019)

 

 

serviços de inteligência artística

18.05.21

... no ano da graça de 1983 António Variações integrou a lista dos mais malvestidos «de Portugal» [...] O artista reage com olímpico desdém: «sabem lá eles o que é vestir» [...] Uma semana mais tarde, o caso volta a ser relatado pelo Contador Mor que «encontrou um punhadão de gente da RTP foi na festa dada na Charlie's Place para consagração dos mais elegantes e dos mais deselegantes da dificílima arte de vestir». E acrescenta quase com desdém: «António Variações, também um dos menos elegantes, que duvidou expressamente da capacidade do júri para avaliar estilos de bem-vestir.» Ao que António responde, mais ou menos, embora por outras palavras, «O estilo sou eu!» [...]

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)

Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

A3.jpg

a7.jpg

 

sair

24.03.21

Quase ao mesmo tempo em que surge o "caso Wiznitzer" aparece outro que vai aumentar as queixas contra Aristides de Sousa Mendes por parte das autoridades nacionais - da PVDE e do MNE. O "caso Eduardo Neira Laporte" [...] um "indesejável" para a PVDE. No caso de Neira Laporte havia uma componente política que afetava o regime salazarista. Desde o início da Guerra Civil de Espanha, em 1936, que havia uma colaboração do salazarismo com o franquismo, em que a polícia portuguesa detinha e entregava à polícia espanhola muitos "refugiados vermelhos", que acabariam por ser fuzilados. Laporte tinha sido um resistente ao franquismo, e para a PVDE já tinha destino marcado - não iria muito longe. 

No entanto, «o cônsul rebelde», que via nele apenas um professor da Universidade de Barcelona com excelentes referências das autoridades francesas e já com passagem de barco de Lisboa para a Colômbia, envia a 3 de fevereiro de 1940, ao Ministério português dos Negócios Estrangeiros, um pedido de autorização para visar o seu passaporte. A 11 de março, o MNE, com a sua habitual lentidão (para ganhar tempo), envia a recusa para o cônsul, mas no dia a seguir, a 12 de março, Laporte chega a Lisboa com visto assinado por Aristides, que entende que em tempos de guerra, mesmo que seja uma drôle de guerre, não devem fazer-se esperar seres humanos. Sincronização certa. Ficava a questão para o regime: o que fazer com Eduardo Neira Laporte? 

[...]

as últimas notícias que se souberam na época, foi que conseguiu também sair daquela Europa enlouquecida, e terá ido mesmo para a Colômbia, exercer o ensino da medicina. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

 

provas de injustiça

10.12.20

«Que arranhão é este nas tuas costas?»

«Qual arranhão?»

«Há aqui um enorme... é duma unha de mulher.»

«Se ele está aí, foste tu quem o fez...»

«Está bem. Conheço um modo de descobrir.»

«Como?»

«Vamos para a cama.»

«OK!»

Passei no teste com sucesso, mas de seguida pensei: como pode um homem testar a fidelidade da mulher? Isto parecia-me injusto. 

 

Charles Bukowski – Mulheres (1978)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2003)