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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

free

09.03.22

Foi aí que me apercebi da presença daqueles inimigos que mudam, mas que estão sempre ali; as forças contra as quais lutamos. É impensável deixarmo- -nos levar de forma passiva. 

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

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The Sin of Blindness

Caroline Jamhour

 

entendimentos rolha

10.03.21

Após o despiste, motivado pelo cansaço, o meu avô terminou a viagem em Ciudad Rodrigo, em Espanha, mesmo antes da fronteira com Portugal, para pôr a família em lugar seguro. Aí, apareceu Silvério, seu sobrinho, que os ia buscar para passarem a fronteira para Portugal, evitando que a polícia política na fronteira identificasse o cônsul. A PVDE estava a tornar-se cada vez mais interventiva, e com o estado de guerra declarado na Europa, o seu comandante, o capitão Agostinho Lourenço, aproveitava tudo para se pôr em evidência e ganhar mais terreno e poder. As suas pressões, juntamente com as de outros funcionários do MNE e elementos da sociedade portuguesa com simpatias germanófilas - e havia bastantes - levaram Salazar a assinar mais uma circular para conter os fluxos migratórios de seres humanos que desejassem entrar em Portugal. Chegara-se assim à Circular 14, assinada a 11 de novembro de 1939. Não trazia boas notícias ... 

[...]

A famigerada Circular 14, de 11 de novembro de 1939, assinada por Luiz de Sampaio (secretário-geral do MNE), em nome do ministro António de Oliveira Salazar, começava por evocar «as atuais circunstâncias anormais para adotar certas providências e definir algumas normas que previnam [...] em matéria de concessão de passaportes consulares portugueses e de vistos consulares, abuso e práticas de facilidades que a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado entende inconvenientes ou perigosas [...] nesta orientação fica determinado o seguinte:

[...]

2 - Os cônsules de carreira [Aristides de Sousa Mendes e outros] não poderão conceder vistos consulares sem prévia consulta ao Ministério dos Negócios Estrangeiros:

ao estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos portadores de passaporte Nansen [nome do diplomata norueguês pelo qual ficaram conhecidos os "passaportes" que deu aos apátridas, isto é, aos que foram expoliados da sua nacionalidade e ficaram indocumentados] e aos russos;

aos estrangeiros que não aleguem de maneira que o cônsul julgue satisfatória, os motivos da vinda para Portugal e ainda àqueles que apresentem nos seus passaportes a declaração ou qualquer sinal de não poderem regressar livremente ao país de onde provêm; com respeito a todos os estrangeiros devem os cônsules procurar averiguar se têm meios de subsistência;

aos judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou de aqueles de onde provêm. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

in https://outraspalavras.net/gavinadams/2020/01/18/memes-de-emergencia/

 

passeata

26.06.19

A pessoa, o lugar, o objeto
estão expostos e escondidos
ao mesmo tempo só a luz,
e dois olhos não são bastante
para captar o que se oculta
no rápido florir de um gesto.

É preciso que a lente mágica
enriqueça a visão humana
e do real de cada coisa
um mais seco real extraia
para que penetremos fundo
no puro enigma das figuras.

Fotografia – é o codinome
da mais aguda percepção
que a nós mesmos nos vai mostrando
e da evanescência de tudo,
edifica uma penanência,
cristal do tempo no papel.

Das luas de rua no Rio
em 68, que nos resta
mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras,
tão vivas hoje como então,
a lembrar como a exorcizar?

Marcas de enchente e do despejo,
o cadáver inseputável,
o colchão atirado ao vento,
a lodosa, podre favela,
o mendigo de Nova York
a moça em flor no Jóquei Clube,

Garrincha e nureyev, dança
de dois destinos, mães-de-santo
na praia-templo de Ipanema,
a dama estranha de Ouro Preto,
a dor da América Latina,
mitos não são, pois são fotos.

Fotografia: arma de amor,
de justiça e conhecimento,
pelas sete partes do mundo
a viajar, a surpreender
a tormentosa vida do homem
e a esperança a brotar das cinzas.

 

Carlos Drummond de Andrade - “Diante das Fotos de Evandro Teixeira”

 

 

Passeata dos Cem Mil