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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

bu(r)las

11.04.20

Na altura da Páscoa pagava-se a bula para se poder comer carne. Ainda me recordo de uma vizinha , a Sr.ª D.ª Maria Engrácia, que não pagou. A mulherzinha era pobre, mãe solteira, vivia sozinha... e terá comido uma asita de frango. Alguém a denunciou e ela foi excomungada. A carta com o documento da excomunhão vinha com o selo do bispo de Braga. Toda a gente soube, e foi como se a mulher tivesse lepra. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

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arGOLAdaS

29.07.19

Vai apreensivo com o destino do Lourenço (...) O homem tem cinco filhos e deve estar a esta hora a arrepelar-se para inventar com que lhes dar de comer. 

Põe-se Frei Pedro a arquitectar planos para tirar o Lourenço da encrenca e ocorre-lhe que a solução poderá passar pelo padre Sepúlveda (...) 

Santas tardes, senhor abade. E vá de lhe trinar a miséria do Lourenço, da mulher e dos cinco filhos, com acordes trágicos e tons patrióticos. Pois, que se há-de fazer... É a vida - conforma-se o cura. Frei Pedro simula espanto e indigna-se, que não se pode cruzar os braços e deixar à fome o mártir do despotismo jacobino! E, na embalagem, avança a sugestão. E se, este ano, o senhor padre Sepúlveda abdicasse do abadágio e, em seu lugar, se procedesse à recolha dos géneros pelas famílias, para acudir ao Lourenço, até se achar remédio mais duradouro? O cura empalidece, e estaca junto aos rebentos das tronchudas, fulminado. Ó Frei Pedro, o abadágio é uma tradição secular! Então quer que eu dê esse desgosto aos meus paroquianos?! Frei Pedro põe os olhos em alvo. Só este ano... O abade retoma o passeio, a fugir àquele raio que siderou o seu sossego, àquele apelo que o mói. Bom, bom, bom... Deixe lá isso comigo - diz, iluminado pela disposição de esfolar a paróquia. - Cá me arranjarei para que haja peditório para o Lourenço. E abadágio. 

 

 

Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)

 

 

 

 

vivam e sejam

01.04.18

Vivam, apenas.

 

Sejam bons como o sol.

Livres como o vento.

Naturais como as flores.

 

Imitem as árvores dos caminhos

que dão flores e frutos

sem complicações.

 

Mas não queiram convencer os cardos

a transformar os espinhos

em rosas e canções.

 

E principalmente não pensem na Morte. 

Não sofram por causa dos cadáveres

que só são belos

quando se desenham na terra em flores.

 

Vivam, apenas.

A Morte é para os mortos! 

 

 

José Gomes Ferreira in Comício

 

 

 

José Gomes Ferreira – Poeta Militante I

Círculo de Leitores (2003)

 

 

santa páscoa e feliz verdade

29.03.18

A cólera do justo é terrível: é a mão de Deus a esmagar-nos; o ódio do perverso não passa de fastio: é a blasfémia estéril e sórdida do demónio. O justo é corajoso e implacável; o injusto é cobarde e tortuoso. Este trabalha dez anos para cometer uma iniquidade que se revela um malogro; o primeiro faz brilhar a verdade como um clarão, e ao fim de dez anos de silêncio e de calma, é capaz de fulminar com o olhar e com uma única palavra o infame que esgotou a sua paciência. 

 

 

George Sand – Diário Íntimo

Antígona (2004)

 

 

 

 

 

 

páscoa (ressurreição de convicções e vontades)

16.04.17

 Padres e juízes andam de t-shirts, mas deus

Fuma charuto.

 

Maria Gabriela Llansol - O Começo de Um Livro É Precioso
Assírio & Alvim (outubro 2003)