o teu rosto
Se as palavras corressem como as nuvens
respirando
dir-te-ia as palavras que desejo.
Oiço o silêncio inteiro sobre o teu rosto.
António Ramos Rosa in NA MORTE DE CELESTINO ALVES - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Se as palavras corressem como as nuvens
respirando
dir-te-ia as palavras que desejo.
Oiço o silêncio inteiro sobre o teu rosto.
António Ramos Rosa in NA MORTE DE CELESTINO ALVES - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
Renny perguntou: «Mamã, como se parte um ovo?». Dee Dee olhou para mim. Sabia o que eu estava a pensar. Não abri a boca.
«Vem cá, Renny, para eu te mostrar.»
Renny aproximou-se dela. Dee Dee agarrou num ovo.
«Vês, basta partires a casca na borda da frigideira... assim... e deixar cair o ovo na frigideira... assim...»
«Oh...»
«É simples.»
«E como se cozinha?»
«Fritando-o em manteiga.»
«Mamã, eu não quero esse ovo.»
«Porquê?»
«Porque a gema partiu-se.»
Dee Dee virou-se e olhou para mim. Os seus olhos diziam:
«Hank, não digas nada, por favor...».
Charles Bukowski – Mulheres (1978)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2003)
Dee Dee deu-me Alka-Seltzer e um copo de água. A única coisa que me ajudou a melhorar foi uma rapariga sentada do outro lado da sala de espera. Tinha um corpo fabuloso, boas e esguias pernas, e trazia uma mini-saia. E vestia meias compridas, com ligas, e sob a saia, cuecas cor-de-rosa.
Calçava sapatos de salto alto.
« Estás a olhar para ela, não estás?», perguntou Dee Dee.
«Não posso evitar.»
«É uma desavergonhada.»
«Evidente.»
Charles Bukowski – Mulheres (1978)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2003)
Recém-chegado da tropa no ultramar, no início dos anos 70, António ainda não pertencia ao meio musical. Mas, pela forma de estar, de vestir, e de ser, começava a ser um Extraterrestre, num país onde era pecado ser diferente, numa sociedade que tranquilizava os seus terrores arcaicos com a estandardização. «Sempre Ausente», um poema do álbum Anjo da Guarda, ilustra estes tempos e esta busca:
Diz-me que solidão é esta
Que te põe a falar sozinho
Diz-me que conversa
Estás a ter contigo
Diz-me que desprezo é esse
Que não olhas p'ra quem quer que seja
Ou pensas que não existe
Ninguém que te veja
Que viagem é essa
Que te diriges em todos os sentidos
Andas em busca dos sonhos perdidos
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)
Porque és sem tensão o resultado,
o chegado. A praia e o centro do olhar
no extremo e simples.
[...]
à varanda de ti próprio.
À varanda do mar.
[...]
No espaço interno mar
onde chegaste
o desejo coincide em si
no mar.
António Ramos Rosa in O DESEJADO CHEGADO - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
Quanto a ela, ver de fora significava ver o corpo gasto de pessoa que a vida moldou para o torto.
Afonso Reis Cabral – Pão de Açúcar
Publicações Dom Quixote (2018)
Waiting for a Client, c.1879
Edgar Degas
Sóbrio o teu corpo me pede
penetração: nomes puros:
os de boca, braços, mãos
sobre a terra e sobre os muros.
Sóbrio o teu corpo me pede
nomes justos, nomes duros:
os de terra, fogo e punhos,
claros, acres, escuros.
António Ramos Rosa in ANIMAL OLHAR - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
Meus olhos não fabricam
a realidade [...]
Meus olhos não fabricam mas encontram.
A terra que se enche já vem cheia
[...]
Os homens dançam por vezes.
Este momento é teu.
António Ramos Rosa in ANIMAL OLHAR - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
a maneira como as pessoas vivem quando julgam que não olham para elas sempre me surpreendeu, tudo aquilo que se esconde à vista
António Lobo Antunes – A Última Porta Antes da Noite (2018)
Publicações Dom Quixote (2018)
uma gabardina antiga que pouco depois de casado já não me servia e a minha mulher guardava porque a tinha vestida na primeira vez que a vi, lembram-se sempre do que nós já esquecemos e censuram-nos por isso, nem sequer com palavras, basta um olhar
António Lobo Antunes – A Última Porta Antes da Noite (2018)
Publicações Dom Quixote (2018)
91 seguidores
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.