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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

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13.12.24

O Porto tinha uma condescendência especial para as mulheres infiéis, se elas eram inteligentes bastante para não preferirem o amante aos deveres da sociedade. Não se discutiam os gostos, logo que não se cometessem erros com eles. E era um erro enternecer-se por um destino quando se tratava apenas de amar um homem, coisa breve e sem muito de herético. A bela Raquel, de resto, tinha uma só paixão: amassar uma fortuna sólida e administrar os rendimentos. A maneira como discutia com os seus rendeiros ou fazia as contas duma obra de alvenaria, arrefecia o coração mais arrojado. A verdade é que por toda a parte lhe facilitavam as coisas: escrituras, compras de terrenos, negócios inumeráveis. Os homens da edilidade e do fisco, administradores e juízes estavam prontos a ajudá-la, porque era mais inofensivo conceder-lhe favores com a corrupção do que sentimentos com consequências. A sua vida estava tão ocupada por toda a sorte de batalhas financeiras, e pelo jogo, que não lhe ficaria tempo para o amor se ele fosse outra coisa para Raquel senão um acessório da toilette. Usava os amantes a condizer com o vestido, e Deus sabe quantos vestidos de passeio e de visita ela encomendava todas as estações. Ela não tinha qualquer domínio sobre José Augusto; mas era por isso mais perniciosa do que certas mulheres que causam devastação no carácter dos homens; porque não a receava, José Augusto atribuía-lhe direitos que iam até confiar-lhe os segredos mais preciosos.

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

 

 

[cuidar-me e obrigar-me a] descansar

02.06.23

Há, em sítios com milhares de pessoas, um anonimato que pode ser ou não conveniente. Nas cidades pequenas, pelo contrário, todos têm nome e vão ganhando uma etiqueta. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

INVISIBLE WOMAN - KITCHEN (2005)
Catherine Rogers

 

sororidade(s)

08.03.23

[...] Ana Isabel [...] Tem 25 anos e é a prova de que os estereótipos servem para encher egos de quem nunca quis olhar profundamente para o que está à sua frente. O preconceito existe [...] Quando pegou numa esfregona pela primeira vez, dividia os dias entre as limpezas na redação de um jornal e as aulas do mestrado na área de estatística e análise de dados, um curso que está a tirar na Universidade de Coimbra, à distância. Os números e os detergentes cruzam-se neste caminho e cada um tem uma função muito específica - os primeiros são o sonho, os segundos, o caminho para tornar esse sonho palpável. 

 

Rita Pereira Carvalho – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

Laroyê Minha Sinhá

08.03.23

Escolha se quer estar vivo ou se pretende ser um morto-vivo.
Sua alma não morrerá nunca. Mas os seus sentimentos podem adoecer e secar. Não permita. Cultive rosas no seu coração e encontrará perfume em todos os caminhos por onde passar.

in https://www.umbanda24horas.com.br/mensagem-da-senhora-pombagira-rosa-caveira/

 

 

essencialmente

14.02.23

[...]

Ser uma mulher é um grande passo,

ser causa de paixão é sublime empresa. 

[...]

Declaração -  Poesias de Iuri Jivago

Boris Pasternak – O Doutor Jivago (1957)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

a cor [e a fala] do invisível

06.12.22

De manhã são dezenas e durante a madrugada os autocarros transportam quase exclusivamente estas trabalhadoras[...] As noites nos autocarros da Carris, em Lisboa, e as conversas com quem acorda às três ou quatro da manhã para trabalhar deixaram a certeza de que este trabalho não é conhecido, nem reconhecido [...] as trabalhadoras de limpeza industrial são as que estão mais expostas. Limpam centros comerciais, escritórios, hospitais, aeroportos, bancos, lojas, estão em todos os edifícios, porque é raro o edifício que não tem uma empregada de limpeza. Ou um empregado. Ainda assim, apesar de se cruzarem com dezenas de pessoas todos os dias, continuam a passar despercebidas.[...]

A dirigente sindical Vivalda Silva admite a realidade e admite também, depois de umas contas de cabeça, que, no Oeiras Parque, por exemplo, os números são fáceis de apurar: «As trabalhadoras são maioritariamente africanas, uns 90%. Aliás, nem me lembro se está lá alguma portuguesa.»

O Centro Comercial Colombo, na freguesia de Benfica, segue a mesma tendência [...] «em 30 e tal pessoas em cada turno[...] 95% são africanas». [...] Basta fazer uma viagem de autocarro durante a madrugada para perceber que as mulheres negras são a maioria [...] Sanie dos Santos Reis [...] fez um exercício que permitiu transformar a observação em números [...] Em três meses, viu 2369 mulheres naquele autocarro às cinco e meia da manhã. Desse total, 2132 eram negras ou de nacionalidade estrangeira. Além do autocarro [...] fez 64 viagens no comboio que liga Sintra a Lisboa. A conclusão é a mesma: das 1820 mulheres, 1660 eram negras ou de nacionalidade estrangeira. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

impressão vincada

27.09.22

As pessoas que apenas retêm uma impressão das coisas [...] são as que mantêm o equilíbrio no meio da corrente.

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

(risos vergonha alheia)

07.06.22

[...] espalhou-se que ele amava uma certa Vicência do Carmo; ele escrevia-lhe as iniciais a tinta roxa na palma da mão e na borda dos guardanapos. A senhora era casada, e honesta, o que o fulminou duas vezes; às vezes o raio cai de facto duas vezes no mesmo lugar. 

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

ladrei-te, meu bem (e sempre ladrarei)

25.03.22

"Es la canción con la que quiero definir -en esencia- a ese grupo de personas que solemos ladrar, pelear ante la vida y la adversidad, hacerles frente a veces con dureza, a veces firmes como una roca, pero siempre en el ánimo de arreglar las cosas. Para los amantes de la diatriba no beligerante, esa que aspira a escuchar todas las posturas manifiestas. Esas personas. Esas. Esas que son tan distintas de las que nunca dicen nada pero que, cuando menos lo esperas, atacan y asestan un mordisco mortal para herir como única finalidad.

Yo ladro, mucho, pero no muerdo. El bozal es para los que muerden. Esto lo digo como mujer."

 

Vega.