Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

as memórias do esquecimento

03.12.24

[...] her mother lay with her gray hair - what was left of it - sticking out on the pillow, and she was a tiny as a person could be and still be alive. It was as though her mother had been in a science fiction movie and that her body - her essence - had been snatched. When her mother's eyes flipped open, Suzanne had said, "It's me, Mom, Suzanne," and her mother had sat up and said, "Hello." And when Suzanne repeated to her, "Mom, it's me, your daughter," her mother said pleasantly, "No, my daughter is dead." Then her mother had sung a lullaby as she rocked Snuggles, and she was still doing that when Suzanne left.

Now, as Suzanne entered the room, she had to walk by another woman seated in a wheelchair not far from her mother; [...]

Her mother sat serenely in her wheelchair in the corner of her room, with Snuggles on her lap. Her hair had been combed, and she wore a sweatsuit of pale off-white, on her feet were clean white sneakers. "Hello," she said to Suzanne. "You're a pretty woman. Who are you?"

"I'm your daughter, Mom. It's me, Suzanne."

Her mother said politely, "I don't have a daughter. She died. But when she was a little girl, she had this." And her mother held up Snuggles. "His name is Snuggles," her mother said.

"Mom, you remember this was Snuggles?" Suzanne leaned down toward her mother.

"I don't know who you are," her mother continued, "but my poor little daughter. She was always such a good girl." [...]

"But her brother!" And her mother laughed then. "Oh, her brother was a nasty little boy." [...]

Chills ran down Suzanne's side [...] "Doyle?" she finally asked.

Her mother's face remained uncomprehending, until suddenly it became twisted in fury. "You get out of here right now! Get out! Get out!" Spittle flew from her mouth.

And then the other woman seated in her wheelchair began to cry. It was a terrible sound [...] Suzanne stood up [...] "Help me, please," she said to an aide going by. "I've upset my mother and also some woman who was in here [...]

The aide was a small young woman, with no expression on her face, and she said to Suzanne, "I'll be there in a minute."

"Please come in now," said Suzanne, but the aide was already going into the room next door. "Oh God," said Suzanne. She went back into her mother's room [...] and her mother was half standing out of her chair. She pointed her arm at Suzanne. "You! Get out of here right now!"

 

Elizabeth Strout – Olive, Again (2019)
Penguin Random House UK (2019)

 

 

ssshhhhh

06.04.22

Lisos à superfície, somos todos feitos de ossos, os quais, e à semelhança das serpentes, se vão contorcendo.

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

les mains liées de soie

18.03.22

Ela diz que é o contrário, que ela não pode esquecê-lo. Que a partir do momento em que não se passa nada entre eles, fica a memória infernal daquilo que não acontece.

 

Marguerite Duras – Olhos Azuis, Cabelo Preto (1986)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

a morte de alguém

23.01.20

Uma das histórias envolvia a duquesa de Vauquelin. Certa noite perdera bastante dinheiro a jogar às cartas. Com o rosto afogueado, passara a mão pela testa e, ao fazê-lo, deslocara uma sobrancelha artificial feita de pelo de rato. Sem que desse por isso, a sobrancelha começara a deslizar-lhe para a cara, sobre a maquilhagem branca do rosto. 

- O que nos rimos - contou Sua Graça. - Incluindo a duquesa até a filha lhe explicar o sucedido. Não voltou a ser vista em público desde então. 

Achei que era aquilo que acabava por ser a morte de alguém: tagarelice descuidada e uma estupidez que corrói a alma. 

 

Wray Delaney - Memórias de Uma Cortesã  (2016)

Quinta Essência, Oficina do Livro (2017)

 

 

 

 

ingenuidade matemática

21.01.20

Escrever sobre Lorde B provocou em mim grande melancolia. Lamento imenso nunca lhe ter dito que o amava, porque a minha ingenuidade me fazia pensar que o coração só pode amar uma vez. Percebo agora que amei três pessoas, que esses três amantes eram muito diferentes uns dos outros e que cada um ocupa um lugar diferente no meu coração. Mercy, Lorde B. E o maior e menos mobilado espaço do meu coração é o do amor que sinto por si. Tem nele pouco mais que uma cama. Como é estranho que lhe tenha oferecido a parte de leão do meu coração quando fez tão pouco para o merecer, e sabendo eu tão pouco de si. 

 

Wray Delaney - Memórias de Uma Cortesã  (2016)

Quinta Essência, Oficina do Livro (2017)

 

 

 

serenidade de quadro

14.01.20

A expressão de Queenie parecia serena, mas era a serenidade dos santos nos quadros, e não era de fiar. 

 

Wray Delaney - Memórias de Uma Cortesã  (2016)

Quinta Essência, Oficina do Livro (2017)

 

 

603fa82ad75cd4a9f4803e7068d371f3.gif

 

abençoada por não acreditar

19.12.19

Um terramoto atingiu Londres quando eu tinha onze anos. O mundo abanou, caíram louças das prateleiras, utensílios, vidraças racharam-se e as pessoas correram para as ruas, gritando que era castigo de Deus. Infantilmente, encontrei conforto no tremer da terra. A ideia de que existia uma força maior do que a insignificância de homens e mulheres agradou-me. Nos dias que se seguiram ao terramoto, os arautos da desgraça anunciaram que pecados de Londres eram responsáveis pela terrível calamidade e que o fim do mundo estava próximo. Se eu acreditasse num Deus vingativo, coisa em que me sinto abençoada por não acreditar, talvez tivesse pensado que (...) fosse um castigo 

 

Wray Delaney - Memórias de Uma Cortesã  (2016)

Quinta Essência, Oficina do Livro (2017)