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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

18
Jun21

matriz de conduta (ou o que faltou ao fdp do funcionário da alfandega)

Cecília

Vai simplesmente obedecer ao ditador de Lisboa, que na realidade nem sequer viu o "campo de batalha"? Um ditador que não respeita sequer a sua própria Constituição, e que atua abertamente contra o seu artigo 8.º? Para Aristides - trineto de um dos "pais" da primeira Constituição de Portugal - obedecer a Salazar era contranatura. 

Vinham-lhe constantemente à cabeça as palavras de sua mãe: «Nunca faças nada de que te possas envergonhar e que não me possas contar.» [...] Ou as palavras do juiz, seu pai: «Faz sempre o bem. Faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem.»

Teria de encontrar uma resposta para aquele "mundo" que ali se concentrava. Aristides vai ter de decidir nessa mesma noite [...] O seu coração implora-lhe que salve ao menos as pessoas que estão à sua porta [...]

Aristides está pronto. Nessa noite não dorme. Sai da cama às cinco horas da manhã, lava-se e barbeia-se. Angelina prepara um bom pequeno-almoço. Aristides manda chamar a polícia, para que a ordem seja mantida. Cerca das seis e meia, pede ajuda aos filhos e ao genro. Manda alguém ir chamar o rabino Kruger, que deixara bem claro que só iria para Portugal quando Aristides desse vistos a todos os seus irmãos. O cônsul e a mulher dirigem-se para a porta do segundo andar e abrem-na. As escadas estão cheias de pessoas - pais, mães e crianças sentados e deitados pelo chão. Em francês, o cônsul-geral de Portugal fala em voz bem alta para ser ouvido por todos os que estavam ali, e que irão repetir aos outros: «Bom dia a todos, a minha mulher e eu decidimos que vamos dar vistos de trânsito para Portugal a todos os que o desejarem, sem qualquer limite ou condição. Serão vistos gratuitos, que só pagarão à polícia portuguesa quand ochegarem à fronteira. Alguns de vós já aqui estão há vários dias e sabemos que têm passado por muito sofrimento. Dentro do possível, continuaremos a ajudar os mais necessitados.»

Estava a começar o que o historiador da Universidade de Jerusalém, Yehuda Bauer, qualificou no seu livro A History of the Holocaust, como a maior operação de salvamento da Segunda Guerra Mundial, levada a cabo por uma só pessoa, contra as autoridades do seu próprio país. Estávamos no dia 17 de junho de 1940

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

 

12
Mai21

reflexos certos

Cecília

Luís Ribeiro e Maria Adosinda, o irmão e a cunhada, recordam o gozo que António punha em caricaturar algumas das suas clientes mais altivas, até por ter sentido na pele as barreiras sociais que o tinham marcado com o ferro em brasa do desprezo que os citadinos votavam aos rurais. Tinha 11 anos quando, vindo de Fiscal, Braga, desembarcara em Lisboa, mas os irmãos afirmam que, tanto tempo depois ele ainda «sofria com este tipo de coisas». Por outro lado, os relatos também referem, de forma unânime, o cuidado, o carinho, a gentileza que punha no trato com os idosos, e a forma como costumava dizer: «Toda a gente dá um beijinho e uma carícia a um bebé, mas esquecem-se dos idosos, que têm necessidades ainda mais importantes que uma criança, e ninguém lhes liga nenhuma». Era um homem calado, mas irónico, com um pendor satírico que poucos terão conhecido. Os irmãos e os amigos mais chegados recordam que ironizava muito com as coisas. E reagia, perante alguém que pensava que era superior a ele. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)

Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

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