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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

dia da mãe

08.05.23

Ao lado da mãe Ana, caminham outras mulheres que vão também fazer limpezas e vêm do mesmo sítio. Ouve-se o riso no meio do silêncio, fruto das respostas que Diogo atira. Antes de entrar na escola, o menino ainda tem tempo para acompanhar a mãe enquanto esta limpa mesas, cadeiras, casas de banho, chão e secretárias de uma instituição bancária na zona do Rato, perto da estação de metro. Não interfere no trabalho, é até uma companhia, e nunca houve oposição por parte da empresa para a qual a mãe trabalha há cerca de 20 anos. 

Já de dia, quando sai do Rato, às oito da manhã, Ana leva o filho à escola, que não fica muito longe dali. E à tarde, como se por magia nunca tivesse abandonado o portão da escola, lá está ela novamente para o levar para casa. Chegada a noite, os trabalhos de casa são feitos, garantia dada pela mãe. «Vem da escola, eu digo-lhe "faz os TPC, lê esse livro" [...]

Ana, Elissangela ou Carol sempre foram obrigadas a adaptar os seus horários em função dos filhos e a encontrar alternativas para conseguirem equilibrar a balança do trabalho e da família. Algumas crianças vão com as mães para o local de trabalho, outras ficam com as amas, ou nas creches, e há ainda quem recorra à família. Em qualquer uma das opções, grande parte das crianças acorda de madrugada, poucos minutos depois das mães. No final da história, estas mulheres correm o dia inteiro pelos filhos e para lhes poderem dar alguma coisa. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

alma

21.01.22

Eu quero uma alma pintada de amarelo para lembrar que o sol nasce primeiro do lado de dentro.

Anónimo.

 

"Eu sempre quis fazer coisa diferente, não suporto rótulo, não sou refrigerante"
Frase proferida por Elza em mais de uma oportunidade.

"Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary. Do planeta fome"
Resposta de Elza no palco do programa de Ary Barroso, quando o apresentador tentou ridicularizá-la por sua aparência simples, perguntando-lhe de que planeta tinha vindo, na década de 1950.

in https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/musica/noticia/2022/01/vim-do-planeta-fome-relembre-10-frases-marcantes-de-elza-soares-ckynlclof002b0188xh7tjhwf.html

 

Elza Gomes da Conceição

(23 de junho de 1930 – 20 de janeiro de 2022)

 

mesa no alto

15.11.21

Todo o mundo é música de água ou transparência.

A inteligência é o sabor completo do silêncio.

Onde estamos é a insondável delicadeza de uma estrela.

A criança está com a mãe numa nebulosa dourada.

[...]

Todo o nosso saber é uma ignorância fértil.

O ritmo das nuvens ordena as nossas mesas.

 

António Ramos Rosa in O TEMPO - Obra Poética I

Assírio & Alvim (2018)

 

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imagens: Cecília Carneiro

libertações

15.09.21

Pode ainda observar-se que a misteriosa doença do príncipe que se cura mal se inicia o regime de comensalidade com a princesa configura a melancolia de quem, enredado numa situação de confinamento familiar, espera a libertação matrimonial. Esta deve provir de uma noiva externa e não daquela que, criada em casa, representa a própria rainha-mãe (que a escolheu). Em suma, o príncipe doente espera a noiva que o liberte do domínio de uma mãe possessiva. 

 

Francisco Vaz da Silva – Gata Borralheira e Contos Similares (2011)
Círculo de Leitores e Temas e Debates (2011)

 

 

da resiliência

21.05.21

A época das chuvas começou [...] Os carteiros efectivos telefonavam a dizer que estavam doentes, de todas as estações da cidade, portanto todos os dias havia trabalho na Estação de Oakford e em todas as outras. Até os substitutos telefonavam a dizer que estavam doentes. Eu não o fiz, porque o cansaço não me deixava pensar em condições. 

 

Charles Bukowski – Correios (1971)

Antígona (2015)

 

Source Of Warmth

Katie m. Berggren

 

a era pós alumínio

22.09.20

Aqui e ali, havia quem se queixasse da dona Maria da Conceição. Isso acontecia quando as reguadas eram dadas com um pouco mais de força do que ela própria estava à espera. Saíam-lhe mal. Neste particular, a régua de alumínio, com furos, cumpria muito bem a sua função: as mãos ardiam mas não inchavam. Por sua vez, uma pancada mal dada com a régua grossa, de madeira, podia criar uma situação incómoda para alunos, pais, professora. Uns e outros. Toda a gente. 

O mesmo no que dizia respeito à pedra do anel de formatura virada para dentro, que uma ou outra vez fazia que alguém fosse embora com sangue a escorrer de uma orelha. A estratégia de bater com a cabeça de quem não sabia fazer divisões contra o quadro era em geral mais segura, ainda que acontecesse o visado aparecer no dia a seguir com um galo na testa. 

Como ninguém sabia que treze anos depois da revolução de 1974 não era suposto isso acontecer, ninguém se importava. Ninguém levava isso mesmo a sério.

- Dê-lhe! - Era o que se ouvia sempre que algum adulto estava junto à secretária a falar com ela. 

Para ouvirmos bem. 

Caso tivéssemos dúvidas.

«Dê-lhe se ele precisar!», era a frase. E a dona Maria da Conceição cumpria a tarefa da qual fora incumbida.

 

Hugo Mezena – Gente Séria (2017)

Planeta Manuscrito (2018)

 

 

 

 

terra mãe terra

10.11.16

Ô terre, dans ta course immense et magnifique,
L'Amérique, et l'Europe, et l'Asie, et l'Afrique
Se présentent aux feux du Soleil tour à tour ;
Telles, l'une après l'autre, à l'heure où naît le jour,
Quatre filles, l'amour d'une maison prospère,
Viennent offrir leur front au baiser de leur père.

 

Victor Hugo.