Coleccionei loucos, como imagino que aconteça com toda a gente que atende ao público; apanhei vários ladrões de livros em flagrante, mas fui enganado por muitos mais; tentei despistar stalkers, que faziam por decorar os turnos de algumas colegas mulheres (como pudemos perceber pelas entrevistas, elas continuam a ser um alvo preferencial das atitudes mais condenáveis); disse muitas vezes «Esse livro está esgotado», disse muitas menos «Esse livro é incrível». Tirei satisfação genuína (e a espaços mesquinha) dos erros nos pedidos por parte de inúmeros clientes. «O Gato Marado e a Andorinha Sei Lá», de Jorge Amado. «A Sida e a Arte», de Hermann Hesse. «O Processo Civil», de Franz Kafka. «Portugal Hoje, o Medo de Existir», do professor José Cid.
Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)
A perceção de que estariam a registar-se alterações na expressão do racismo, levou ao conceito de racismo cultural na Europa dos anos 80, quando se regista uma nova argumentação a favor da rejeição da imigração proveniente das ex-colónias europeias [...]
Embora o racismo biológico não seja posto de parte nestes movimentos, os argumentos contra a imigração de não-brancos e a rejeição em geral de pessoas de origem não-europeia focam a «diferença cultural», sendo progressivamente sistematizados e difundidos os princípios ideológicos do que viria a ser classificado como «novo racismo», ou «racismo diferencialista», ou ainda «racismo cultural», por vários cientistas sociais e filósofos. Esses princípios ideológicos podem ser resumidos da seguinte forma: as diferenças culturais entre grupos de humanos são muito profundas e remetem para diferenças de natureza; algumas culturas são superiores a outras; culturas diferentes são intrinsecamente incompatíveis e dificilmente podem coexistir numa mesma sociedade [...]
É só nos anos 90 que surgem as primeiras pesquisas que examinam se e como o senso comum inferioriza culturalmente, e se esta inferiorização se pode conceptualizar como uma nova forma de racismo.
Jorge Vala –Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu(2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)
Pode ser que a leitura tenha os dias contados, não faço futurologia, mas por enquanto está muito melhor do que era. A avó dos meus filhos, que nasceu numa aldeia isolada do Alentejo e teve uma paixão proibida e incompreendida pelos livros, tinha de ler às escondidas porque a leitura era uma actividade inútil, não era produtiva, e uma mulher devia dedicar-se aos meritosos descasque de batatas e cosedura de meias. Hoje, podemos ler em público sem que a maioria dos considere uns vadios inúteis. Há duas décadas não poderia ter lido certos livros e certos autores: vivíamos em liberdade, mas as edições eram muito limitadas, tanto no volume de obras traduzidas como na edição, distribuição e importação (...) É verdade que Plotino, Saadi ou Diógenes Laércio continuam sem edições portuguesas, bem como alguns autores contemporâneos, como Cãrtãrescu ou Mrozek, mas hoje podemos entrar numa livraria e ter escolhas e liberdades que nunca tivemos.
Afonso Cruz_ O macaco bêbedo foi à ópera - Da embriaguez à civilização (2019) Fundação Francisco Manuel dos Santos e Afonso Cruz (2019)
Nunca o português tem uma acção sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, pensa sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo.
Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fizemos uma “revolução” foi para implantar uma coisa igual ao que já estava. Manchámos essa revolução com a brandura com que tratámos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse; não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficámos miseravelmente os mesmos disciplinados que éramos.
Trabalhemos ao menos – nós, os novos – por perturbar as almas, por desorientar os espíritos. Cultivemos, em nós próprios, a desintegração mental como uma flor de preço. Construamos uma anarquia portuguesa.
Fernando Pessoa
in https://antigona.pt/collections/5-euros/products/o-banqueiro-anarquista
No próximo sábado, 26 de Janeiro, às 17h00, as Leituras da Casa dedicam a primeira sessão de 2019 ao livro O Modernismo Brasileiro e o Modernismo Português, de Arnaldo Saraiva.
O convidado desta sessão é o poeta e músico brasileiro Luca Argel. A moderação é de Rui Manuel Amaral.
Agradecemos a sua presença. A entrada é livre. Livraria da INCM, Praça dos Leões (Praça Gomes Teixeira, 1 a 7), Porto.
Na mesa junto à janela virada para Poente, ensaia-se uma Última Ceia: a companhia de teatro arranjou doze apóstolos e um Cristo (...) De repente, a meio de uma dança, Borja caminha para a mesa onde se desenrola a Última Ceia e manda retirar o vinho, pois é um erro histórico. O Cristo está impávido, mas São João acha que não faz sentido e afasta o seu copo do alcance do professor, que começa a discursar:
- Ninguém sabe, caros Jesus Cristo e seus apóstolos, por que razão o homem se sedentarizou, já que está provado que ser nómada dá muito menos trabalho. Então porque sucedeu essa mudança radical? Muito simples, vou explicar-vos, queridos apóstolos e Nosso Senhor: foi a cerveja. Para ter cerveja era preciso cultivar. E assim nasceu a sociedade como a conhecemos. Graças à cerveja, temos hospitais e bibliotecas. Não existiriam livros se não fosse a cerveja. Não existiriam escritores nem ciência. Os nómadas não têm prisões nem conhecem o castigo, mas por outros lado não têm bibliotecas. Os nómadas não têm nada disto, porque andam de um lado para o outro e as prisões não podem ser transportadas, tal como as tipografias e os hospitais e as livrarias. E tudo isso se deve ao facto de alguns povos terem querido beber cerveja e, para isso, precisarem de se sedentarizar. No tempo de Cristo, no vosso tempo, andavam todos a beber cerveja. Na verdade, as bebidas alcoólicas confundiam-se entre si, pois era normal juntar frutos a bebidas de cereais e cereais a bebidas de frutos. Mas o que é certo é que o Egipto tinha inúmeras cervejeiras e exportava grandes quantidades para a Palestina. O que se bebia no espaço geográfico em que Cristo habitava era cerveja. O vinho era uma bebida de romanos, dos invasores. Cristo não iria beber a bebida dos ricos, dos opressores (...) mas a dos pobres, das putas e dos pecadores. Isso é que era a cerveja, um símbolo do povo. Jesus Cristo bebia cerveja, que sempre foi chamada de pão líquido, pois é verdadeiramente pão com água.
Muy a principios de la década de 1990, aquella idea suya tomó cuerpo. Un apasionado lector creó, para rendirle homenaje, la «biblioteca de los libros rechazados». Así fue como nació la Brautigan Library, que da acogida a todos los libros huérfanos de editorial que vieron la luz en los Estados Unidos. En la actualidad se halla en Vancouver * en el estado de Washington.
* En internet se encuentra fácilmente información acerca de las actividades de esa biblioteca en la página web www.thebrautiganlibrary.org
David Foenkinos - La biblioteca de los libros rechazados (2016) Titulo original: Le Mystère Henri Pick Traducción de María Teresa Gallego Urrutia y Amaya García Gallego Penguin Random House Grupo Editorial S.A.U. (febrero, 2017)
(...) pegaste num exemplar e levaste-o à caixa para se regularizar o teu direito de propriedade sobre ele.
Deste ainda uma espreitadela desnorteada aos livros em redor (ou melhor: foram os livros que te olharam com o ar desnorteado dos cães e gatos que das grades do canil municipal vêem um ex-companheiro afastar-se pela trela do dono que veio recuperá-lo), e saíste.
Italo Calvino – Se Numa Noite de Inverno Um Viajante (1979) Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)