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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

[há muito que] já estamos em ditadura

04.04.23

A Alice Vieira disse que a reescrita de obras clássicas é censura e que é preciso ter em conta o contexto histórico em que foram escritas. Totalmente de acordo. Também eu o digo.
A questão é que este cancelamento não toca apenas aos clássicos.
O Afonso Reis Cabral ,um dos escritores mais talentosos no panorama literário europeu, viu dois dos seus livros a terem a sua edição nos USA negados porque no caso do O Meu Irmão, um dos personagens que tem síndrome de Down poderia levantar questões e no outro, Pão de Açúcar, foi considerado que um homem cis a escrever sobre um transexual poderia também levantar outro tipo de questões. Foi senão me engano há dois/três anos.
Isto é o nosso tempo e não precisa ter em conta um certo contexto do passado. É aqui e agora.
O que é certo é que aos leitores americanos foi negado acesso a dois livros extraordinários (mérito reconhecido até pelo mesmo editor americano que não os edita pelas razões anteriormente indicadas) porque outros argumentos se levantaram além da mera qualidade literária das obras de ficção em causa. As personagens, o escritor, são de repente também julgados perante o altar de uma nova moralidade e de uma espécie de preocupação pelos leitores que acéfalos têm de ser resguardados da literatura.
Citando a Alice Vieira: isto é censura e infelizmente para os leitores americanos o Afonso Reis Cabral foi cancelado.
Por cá, onde a liberdade de escrever, editar e ler o Afonso Reis Cabral tem de ser protegida, continuaremos a editar com honra e alegria, os livros do Afonso, com os personagens que melhor entender e quando e sempre que ele entender.


Pedro Sobral
Presidente | Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL)

 

 

 

desacordo audiológico

17.03.22

«Não acabei a formação porque na altura o meu pai queria ir para o Brasil e convidou-me para ir trabalhar com ele. Fui fazer vendas. Foi difícil. Para teres uma noção, eu falava português e toda a gente na rua me perguntava se eu era argentino ou paraguaio[...]»

 

Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)

 

 

ser capaz

31.03.21

Se não formos capazes de ver, não seremos capazes de ler - na literatura, como na vida, não é possível ler sem ser lido. 

 

Carla da Silva Pereira

 

 

Charles Bukowski – Correios (1971)

Antígona (2015)

 

A Parábola dos Cegos (1568)

Pieter Bruegel, o Velho

 

o poder de querer

25.09.20

No seu tempo, e num país onde a esmagadora maioria da população rural era ainda analfabeta, Deolinda de Jesus era uma das poucas pessoas, na aldeia, que sabia ler e escrever. Não frequentou nenhuma escola, mas a mestra do ateliê onde aprendeu costura ensinava a ler e a escrever às meninas que quisessem. Ela foi das poucas que quis. Ao longo de toda a vida a sua letra firme e bem desenhada encheu cartas e cartas com as quais mitigou a solidão de ter os filhos longe, permitindo-lhe, por seu turno, ler sem intermediários, as que eles lhe foram mandando [...] A certa altura, Deolinda partilhou esta ferramenta com o marido. Foi no final dos anos 50, quando surgiu a oportunidade de Jaime ser cobrador da Casa do Povo. Era um trabalho de fim de semana, mas garantia mais uma fonte de rendimento para a família. Porém, e como condição de admissão, exigia o domínio ainda que muito básico, das letras e da tabuada por causa das contas. Deolinda chamou a si a tarefa de ensinar ao marido os rudimentos da leitura e da escrita. As aulas decorriam ao serão, na mesa da sala de jantar. De lápis na mão, caderno de linhas ou quadriculado à frente, lampião de azeite na mesa, Jaime engolia o orgulho e rebentava de humilhação quando a mulher o emendava, uma vez e outra e outra. Mas o facto é que conseguiu o emprego, sinal de que lhe aproveitaram as lições. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)

Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

leitura

15.12.19

Pode ser que a leitura tenha os dias contados, não faço futurologia, mas por enquanto está muito melhor do que era. A avó dos meus filhos, que nasceu numa aldeia isolada do Alentejo e teve uma paixão proibida e incompreendida pelos livros, tinha de ler às escondidas porque a leitura era uma actividade inútil, não era produtiva, e uma mulher devia dedicar-se aos meritosos descasque de batatas e cosedura de meias. Hoje, podemos ler em público sem que a maioria dos considere uns vadios inúteis. Há duas décadas não poderia ter lido certos livros e certos autores: vivíamos em liberdade, mas as edições eram muito limitadas, tanto no volume de obras traduzidas como na edição, distribuição e importação (...) É verdade que Plotino, Saadi ou Diógenes Laércio continuam sem edições portuguesas, bem como alguns autores contemporâneos, como Cãrtãrescu ou Mrozek, mas hoje podemos entrar numa livraria e ter escolhas e liberdades que nunca tivemos. 

 

Afonso Cruz_ O macaco bêbedo foi à ópera - Da embriaguez à civilização (2019)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Afonso Cruz (2019)

 

 

comportamento perigosamente seguro

09.05.19

Não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte.

 

Johann Goethe

 

 

 

Leituras da Casa - Sessão 9 - Sábado, 26 de Janeiro

24.01.19

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No próximo sábado, 26 de Janeiro, às 17h00, as Leituras da Casa dedicam a primeira sessão de 2019 ao livro O Modernismo Brasileiro e o Modernismo Português, de Arnaldo Saraiva.

O convidado desta sessão é o poeta e músico brasileiro Luca Argel.
A moderação é de Rui Manuel Amaral.

 

Agradecemos a sua presença. A entrada é livre.
Livraria da INCM, Praça dos Leões (Praça Gomes Teixeira, 1 a 7), Porto.