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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

dia mundial da poesia / dia mundial da árvore

21.03.23

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.
E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.
As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».
É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

 

Jorge Sousa Braga - "As árvores como os livros"

 

Muchachos trepando a un árbol (1791-1792)


Francisco de Goya

 

amanhecendo pela vida inteira

04.07.21

Uma estrela quando morre 

morre tão devagar

que não se lembra sequer

de que chegou a brilhar

 

Mas nem todas as estrelas 

morrem dessa maneira

Há quem antes de morrer 

brilhe pela vida inteira 

 

Jorge Sousa Braga – Pó de Estrelas (2007)

Assírio e Alvim (2007)

 

 

prisão

08.10.18

Para encherem a noite, os grilos não precisam mais que de uma lura. 

Mesmo no cativeiro continuam a cantar...

 

Para o homem, momentos há -- e é doloroso reconhecê-lo -- em que até o universo é uma prisão.

 

Jorge Sousa Braga - Ao Relento

 

 

in O Poeta Nu [poesia reunida]

Assírio & Alvim (abril 2014)

 

 

 

 

Portugal

04.11.16

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. ƒÉs cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não

 

Jorge de Sena - A Portugal

 

 

 

 

 

 

 

 

alvoradas

13.07.16

"(...) sussurrar-te

Ao ouvido coisas ácidas e ternas 

Morder-te no pescoço   nos ombros   nas nádegas 

Sentir a humidade entre as tuas pernas 

 

(...)

" Enquanto gritas   que me odeias e me amas "

 

(...)

 

De joelhos como se implorasse 

Enterrá-lo bem fundo entre as tuas pernas

Deixar que um raio nos trespasse"

 

Jorge Sousa Braga, in "Escalada" 

 

 A Ferida Aberta, Assírio & Alvim E Jorge Sousa Braga (2001)