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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

província retangular

04.10.23

So when I got back and saw that he was so sorry, I told him that, the business about this being a class thing, very calmly, and do you know? We must have talked for two hours straight, we just talked and talked, and he said he was kind of a peasant too, and that's why he was so sensitive about people being provincial, because all his life he had deep down felt provincial, and he didn't want to be. He said, I'm a snob Olive, and I'm not proud of that. 

Elizabeth Strout – Olive, Again (2019)
Penguin Random House UK (2019)

Clero, Nobreza e Povo, Vila Velha do Cu de Judas
Cartoon de João Abel Manta, Lisboa, 1970 (c.), Portugal.

in https://www.arquipelagos.pt/imagem/clero-nobreza-e-povo-vila-velha-do-cu-de-judas-cartoon-de-joao-abel-manta-1970-c-portugal/

 

assins e assados

12.04.22

- Como se há-de ser virtuoso numa cidade assim? Uma cidade que prospera e não avança um passo. Onde os literatos se elogiam uns aos outros porque são igualmente pobres. Onde temos de ser sensíveis à gratidão para não tomarmos o gosto a sermos beneméritos.

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

A Condição Humana, 1933

René Magritte

 

prato da semana: MEA CULPA requentada

29.07.16

" Os homens nunca se contentam... E eu, a falar franco, fartei-me deste Imprevisto Anárquico do Sonho em que vivi e agora apetece-me voltar a provar aquilo a que chamamos Realidade...Além disso... Ouve: vou dizer-te um segredo... mas promete-me que não o revelas a ninguém... Prometes? Na verdade, o fito principal do meu regresso talvez seja o de tentar revolucionar Chora-Que-Logo-Bebes... endireitar as espinhas dorsais das pessoas... secar as lamentações covardes dos Choraquelobebenses... pregar a reorganização viril da vida em novas bases... (...) E assim, com a mesma facilidade de quem fura nuvens, João Sem Medo coou-se como um espectro através da Muralha, a esfarrapá-la com as botas até alcançar a terra santa de Chora-    -Que-Logo-Bebes que pisou com comoção feliz onde se misturava o prazer do obstáculo vencido, a vaidade próxima de poder enfim contar proezas da viagem aos amigos ( e porventura também, já timidamente esboçado, o arrependimento do regresso). (...) Mas enriqueceste, ao menos? Trazes dinheiro  para me fazeres um enterro decente quando chegar a minha horinha? 

    - Não, minha mãe. Nem é necessário. Porque a vida da nossa aldeia vai modificar-se radicalmente.

E com ímpeto de sentir um comício na garganta, galgou até ao cimo de um penedo e desatou a discursar aos chorincas que o rodeavam:

    - Cidadãos! Precisamos de organizar uma conspiração urgente contra as lágrimas mal choradas. E rasgar o musgo das faces. E tirar o verdete das bocas. (...)

Mas, pouco a pouco, a um e um, os Crolaquelogobebenses, apavorados com estas palavras que perturbavam a vocação geral para mortos e a paz podre das longas digestões da Fome, começaram a esquivar-se à sorrelfa (...)

    - Deixa essas ideias, meu filho... Não estragues o nosso rico sossego, a nossa aprendizagem para cadáveres. E chora, chora, chora como nós. Derrete-te em lágrimas e desiste. 

     - Não, não desisto, Mãe - berrou teimoso e temerário (por fora).

 Mas ao mesmo tempo (...) foi murmurando à mãe com certa prudência prática de homem cansado:

   - Não desisto, Mãe. Não desisto, percebe?... Mas provisoriamente, para restaurar as forças, sabe o que me apetecia agora?... Um jantarinho cá dos nossos... (...) Mas não cuide que desisto da luta! Não! Jamais!... É só um apetite... 

(...) E a pobre lá foi cozer o bacalhau demolhado em lágrimas. 

Então, João Sem Medo, sempre à espera de não sabia bem de quê... talvez do milagre que um dia o ajudasse a secar aquelas lágrimas da Terra... talvez esperançado na chegada do outro João Sem Medo que, afinal, apenas o procurava de noite, durante o sono...

.... Então, João Sem Medo, provisoriamente, sempre provisoriamente, vendo tantos olhos a chorar... montou uma fábrica de lenços e enriqueceu. 

( Ah! Mas um dia, um dia!...) " 

 

José Gomes Ferreira  – Aventuras de João Sem Medo (1963)

 

Licença Editorial por cortesia de Publicações Dom Quixote para Círculo de Leitores (Dezembro,2003)

 

 

Dedicatória da Primeira Edição (1963)

 

 

Para os meus dois filhos:

Para ti, Raul José, homem há muito - e homem autêntico - , que aprendeste à tua custa que

a verdadeira coragem é a força do coração... 

 

Para ti, Alexandre, ainda criança, mas já com todas as tendências para não te tornares num desses falsos adultos que sujam o mundo e odeiam a Imaginação... 

 

Para os meus dois filhos - o homem e a criança - este Divertimento escrito por quem sempre sonhou conservar a Criança bem viva no Homem.