Foi, realmente, um momento esplendoroso, «um desses milagres que alteram a mentalidade das pessoas», que possibilitou no curto espaço de um ano que se passasse do amargo ceticismo português - que é dizer mal de tudo e não acreditar em nada -, para a euforia de tudo se cometer. De repente, há um turbilhão chamado «rock português». Um movimento com uma energia imparável. Surgem os UHF, os Xutos & Pontapés, os Táxi, os Jafumega e muitos, muitos outros
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018) Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)
Fui sempre fiel ao Porto, a que pertenço e sempre pertenci, que me pertence como uma roupa do corpo que me veste por dentro, como uma pele imemorial em que o tempo conta muito e não conta nada. Como um espelho em que me revejo e identifico e em que me poderei finalmente reconciliar comigo próprio.
O Porto, para mim, na clareza lapidar e fulgurante da Sophia é a pátria dentro da pátria (...).
Não conheceu o destino imperial de Lisboa nem o seu culto do aparato e da aparência - aqui dizemos p'ra inglês ver - o Porto nunca teatralizou a sua existência nem se espanta e espaventa com facilidade.
Povo de gente rija habituada à humidade e à poluição, à poupança, à contenção e a fazer contas à sua moda, à insatisfação e a subir na vida a pulso, aos engarrafamentos, aos bloqueios, às mentiras dos governos, o seu carácter sempre foi a sua virtude através dos tempos difíceis ou dos outros que também nunca lhe foram servidos de bandeja. Cada cidade tem o seu teorema, só que é quase sempre impossível demonstrá-lo. Ou será que as raízes das palavras são quadradas como ironicamente questionava Ionesco? (...)
O carácter do Porto é a sua verticalidade, é a sua frontalidade imbuída de uma rudeza franca e leal.
Miguel Veiga
in Espírito do Porto - Aguarelas de Vasco d'Orey Bobone 2004 QN - Edições e Conteúdos SA