mente de coração
Por vezes, um problema não se resolve pela sensatez da mente, mas antes pela sabedoria do coração.
Grace Burrowes – Coração Ardente (2017)
Quinta Essência (2019)
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Por vezes, um problema não se resolve pela sensatez da mente, mas antes pela sabedoria do coração.
Grace Burrowes – Coração Ardente (2017)
Quinta Essência (2019)
Aqui e ali, havia quem se queixasse da dona Maria da Conceição. Isso acontecia quando as reguadas eram dadas com um pouco mais de força do que ela própria estava à espera. Saíam-lhe mal. Neste particular, a régua de alumínio, com furos, cumpria muito bem a sua função: as mãos ardiam mas não inchavam. Por sua vez, uma pancada mal dada com a régua grossa, de madeira, podia criar uma situação incómoda para alunos, pais, professora. Uns e outros. Toda a gente.
O mesmo no que dizia respeito à pedra do anel de formatura virada para dentro, que uma ou outra vez fazia que alguém fosse embora com sangue a escorrer de uma orelha. A estratégia de bater com a cabeça de quem não sabia fazer divisões contra o quadro era em geral mais segura, ainda que acontecesse o visado aparecer no dia a seguir com um galo na testa.
Como ninguém sabia que treze anos depois da revolução de 1974 não era suposto isso acontecer, ninguém se importava. Ninguém levava isso mesmo a sério.
- Dê-lhe! - Era o que se ouvia sempre que algum adulto estava junto à secretária a falar com ela.
Para ouvirmos bem.
Caso tivéssemos dúvidas.
«Dê-lhe se ele precisar!», era a frase. E a dona Maria da Conceição cumpria a tarefa da qual fora incumbida.
Hugo Mezena – Gente Séria (2017)
Planeta Manuscrito (2018)
Acabada a escola, tinham à sua espera o complemento do trabalho familiar. Dar de comer ao gado, ajudar no campo, e mais e mais. Todos os dias. Os relatos sobrepõem-se e não chegam do fundo dos tempos. São frescos de uma arrepiante contemporaneidade:
- Lá em casa dividíamos uma sardinha por quatro.
- Nós dividíamos uma sardinha por sete.
- Eu passei muita fome.
[...]
- Mas quando tocava a brincar, era uma alegria! Era tudo da nossa imaginação e do nosso engenho. Dançávamos, cantávamos, bailávamos. Foram tempos que ninguém sonha como eram. E, contudo, éramos alegres, divertíamo-nos com nada, construíamos os nossos brinquedos. Tristes das crianças de hoje a quem entregam tudo feito e não aprendem a sonhar.
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)
Deolinda seguia os dois, desconfiada e temerosa do mar, mas, ao mesmo tempo, fascinada pela sua vastidão azul, pelo movimento quase hipnótico das ondas, e pelo seu incessante marulhar:
- Sente-se uma pessoa tão pequena - murmurava ela [...]
Levava as socas na mão e a trouxa com o farnel debaixo do braço. Acordavam, mal o dia despontava, iam por volta das nove da manhã para a praia, sentavam-se sempre no mesmo lugar e regressavam sem falta ao meio-dia: «Muito cuidado, sobretudo com as crianças. A pele delas é mais sensível, e para o tratamento fazer efeito a menina tem de estar nua. Depois do meio-dia o sol é um veneno. Ao fim de uns dias, com o corpo habituado, podem voltar à tarde, mas só depois das cinco horas. E não se esqueça de a pôr a dormir a sesta.
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)
Se o Raimundo, o pai dele, não lhe tivesse dado biberões de vinho, talvez fosse um homem como outro qualquer (...)
Tudo isso podia ter acontecido se o pai não se tivesse intrometido entre ele e os seus objectivos. Era a sua ideia de que a beber leite o filho não se fazia um homem que o tinha condenado a viver daquela forma. Mas esse ódio não era de agora. Já em pequeno sentia que ele era o empecilho que não o deixava ter uma vida melhor. Desejava que ele não existisse, mas logo a seguir fechava as mãos e fazia força para contrariar esses sentimentos.
«O pai merece perdão». pensava. «O pai merece perdão.»
Era uma coisa má, aquilo que sentia. E ele sabia disso. Tinham-lhe ensinado que era preciso amar o próximo porque os homens eram todos irmãos. Percebia que isso criava uma barreira entre o bem e o mal, entre o que se podia e o que não se podia fazer em benefício de todos.
Hugo Mezena – Gente Séria (2017)
Planeta Manuscrito (2018)
- São rosas, senhor! - grunhia a dona Maria da Conceição.
Quem ouvia a história sem ter tomado o pequeno-almoço pensava no desperdício de transformar pão em flores, que enchem os olhos mas deixam a barriga a dar horas. Na fila dos muito bons, a coisa ainda se arranjava com leite ao pequeno-almoço. Na dos bons, havia pão sem nada. Mas à medida que se avançava para a dos mais ou menos, piorava bastante. E na outra ponta, no canto dos burros, a fome grassava a olhos vistos. Esse antro era povoado por quatro ou cinco criaturas que aproveitavam o tempo de aula para descansar.
- Deixem-no estar na paz do Senhor - dizia a professora quando alguém apontava para o João Pedro.
Com a cabeça pousada nos braços, repousava no sono dos justos, pouco importado com reis, rainhas e outras peripécias que não dão de comer a ninguém. E os braços dele eram um mistério. Não trazia lanche, mas não emagrecia. Enquanto o meu pai gastava o salário na mercearia do senhor Júlio, o Zé Tractorista, pai dele, gastava-o lá também, mas em vinho.
Hugo Mezena – Gente Séria (2017)
Planeta Manuscrito (2018)
O Caso Gisberta motivou uma espécie de levantamento nacional que acabou por morrer sem grandes consequências, como quase tudo o que é português.
Afonso Reis Cabral – Pão de Açúcar
Publicações Dom Quixote (2018)
persistia como as tareias que se apanham na infância e nos deixam o corpo dorido até ao fim da vida.
Afonso Reis Cabral – Pão de Açúcar
Publicações Dom Quixote (2018)
Kim Phuc
08 de junho de 1972
Calei-me porque achei ridículo, angustiante também, que o lixo de um fosse o entusiasmo de outro.
Afonso Reis Cabral – Pão de Açúcar
Publicações Dom Quixote (2018)
as coisas da infância, é uma maçada, se pegam à gente e não nos largam mais
António Lobo Antunes – A Última Porta Antes da Noite (2018)
Publicações Dom Quixote (2018)
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