sem medo do novo
Imaginar a forma
doutro ser. Na língua
proferir o seu desejo
O toque inteiro
António Ramos Rosa in A PARTIR DA AUSÊNCIA - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
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Imaginar a forma
doutro ser. Na língua
proferir o seu desejo
O toque inteiro
António Ramos Rosa in A PARTIR DA AUSÊNCIA - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
... no mesmo espetáculo em que António Variações foi violentamente vaiado por aquele público tão tradicional. Carlos Ferreira, cujo camarim ficava no palco, estava com a mãe que o ajudava nas mudanças de roupa, e descreve como «aterradora» a reação da assistência:
- Assisti a uma das maiores pateadas numa atuação do Variações no Coliseu, quando ele foi cantar o Povo que Lavas no Rio. Foram impiedosos. E ele? Na maior. Continuou, como se nada acontecesse. As pessoas a patearem, a insultarem, e ele a cantar até ao fim, como se nada estivesse a acontecer. Foi genialmente corajoso.
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)
Chegaram a Bordéus mesmo no fim de setembro, na altura exata em que se desenrolavam os tristes célebres Acordos de Munique (29 e 30 de setembro de 1938), no âmbito dos quais os representantes de França e de Inglaterra acabariam por ceder periogosamente às pressões da Itália de Mussolini e, sobretudo, da Alemanha de Hitler, deixando que este último anexasse o território dos sudetas, na Checoslováquia. Não só não apaziguaram Hitler e o Reich, como, pelo contrário, lhe deram mais força e convicção para os seus avanços [...] E todos estavam muito longe de imaginar as consequências. O Anschluss, que anexou a Áustria à Alemanha, tinha sido consumado em março desse ano, e a Noite de Cristal iria acontecer daí a dois meses. Essa noite marcaria o início da ofensiva aberta contra os judeus, aos quais já tinham sido retirados os direitos cívicos, e que já estavam afastados da vida económica na Alemanha e nos territórios anexados [...]
Em Portugal, o governo e as autoridades que, claro, iam acompanhando os acontecimentos apesar da distância, iam definindo uma espécie de orientação no sentido de "afastar" possíveis problemas que certas "categorias de pessoas" pudessem vir a causar, em função dos interesses de Salazar e do regime. Assim, em outubro de 1938 (11 meses antes da declaração de guerra), Salazar introduz novas restrições aos vistos para judeus que quisessem entrar no nosso país, exigindo-lhes que adquirissem vistos de turismo por períodos de 30 dias, se precisassem de entrar no nosso território. Uma forma de limitar o acesso a Portugal e de travar assim eventuais planos de "certas pessoas". Surgiu, então, a célebre Circular 10, de outubro de 1938, que seria progressivamente endurecida por outras, até 11 de novembro de 1939, já em plena Segunda Guerra Mundial, com a Circular 14, e sob forte controlo da polícia política portuguesa, a então PVDE (a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado).
António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)
Uma reflexão à distância dos anos, mas que mantém a sua acuidade. O artista plástico Leonel Moura, que descreve o meio cultural português como «extremamente conservador, tal como a sociedade portuguesa no seu todo», escalpeliza a ilusão que persiste até hoje, nesse circuito, de que é tudo muito avançado e são todos muito vanguardistas: «isso é uma rematada «mentira», pois o formalismo impera, quer nas relações entre as pessoas, quer na forma como se vestem e comportam. E no extremo oposto, cai-se no «ordinário»
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)
Dou-te um nome de água
para que cresças no silêncio.
Invento a alegria
da terra que habito
porque nela moro.
Invento do meu nada
esta pergunta.
(Nesta hora, aqui.)
(...)
Amor, eu sei que vives
num breve país.
Os olhos imagino
e o beijo na cintura,
ó tão delgada.
Se é milagre existires,
teus pés nas minhas palmas.
Ó maravilha, existo
no mundo dos teus olhos.
Ó vida perfumada
cantando devagar.
Enleio-me na clara
dança do teu andar.
Por uma água tão pura
vale a pena viver.
Um teu joelho diz-me
a indizível paz.
António Ramos Rosa in Teu Corpo Principia
António Ramos Rosa - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
Além deste privilégio o homem usufruia outros: Como não tinha sido ainda inventada a escrita, não lia discursos políticos nem cartazes de propaganda eleitoral, nem tabuletas que dizem «Proíbido», nem letreiros que dizem «Reservado», nem etiquetas que dizem «Ocupado» nem cartazes que dizem «Propriedade particular». Evitava também por completo a chatice dos empregos. Como a rádio era totalmente desconhecida jamais escutou um anúncio do Tide ou uma «nota do dia» da Emissora Nacional. Da televisão nem sequer se falava e portanto a sua inteligência não estava atrofiada mas, pelo contrário aberta para as descobertas e para as conquistas do espírito.
Vilhena – História Universal da Pulhice Humana (1960/1961/1965)
Edição Completa, Integral e Nunca Censurada dos Três Volumes Originais Pré-História / O Egipto / Os Judeus
Herdeiros de José Vilhena / SPA 2015, E-Primatur (2016)
Trata-se de um dos monumentos mais famosos da civilização japonesa, o jardim de rochas e areia do templo Ryoanji de Kyoto, a típica imagem da contemplação do absoluto que se alcança com os meios mais simples e sem recorrer a conceitos exprimíveis por palavras, segundo os ensinamentos dos monges Zen, a seita mais espiritual do budismo (...) Ao longo do quarto lado está um estrado de madeira com degraus onde o público pode passar e parar e sentar-se. «Se o nosso olhar interior permanecer absorto na visão deste jardim - explica o prospecto que é oferecido aos visitantes, em japonês e em inglês, assinado pelo abade do templo - sentir-nos-emos despidos da relatividade do nosso eu individual, ao mesmo tempo que a intuição do Eu absoluto nos encherá de serena surpresa, purificando as nossas mentes ofuscadas.»
O senhor Palomar está disposto a seguir estes conselhos com confiança e senta-se nos degraus, observa as rochas uma por uma, segue as ondulações sobre a areia branca, deixa que a harmonia indefinível que liga os elementos do quadro o vá invadindo a pouco e pouco.
Ou seja: procura imaginar todas estas coisas tal como as sentirá alguém que pudesse concentrar-se na contemplação do jardim Zen em solidão e silêncio. Porque - tinhamo-nos esquecido de o dizer - o senhor Palomar está comprimido sobre o estrado, no meio de centenas de visitantes que o empurram de todos os lados, objectivas de câmaras fotográficas e de máquinas de filmar que abrem caminho por entre cotovelos, joelhos e orelhas da multidão, enquadrando as rochas e a areia de todos os ângulos possíveis, iluminados pela luz natural ou pelos flash (...) proles numerosas são empurradas para a primeira fila por pais com espírito pedagógico, bandos de estudantes, em uniforme, empurram-se, ansiosos por digerir o mais depressa possível a visita escolástica ao monumento famoso; visitantes diligentes verificam, com o vaivém rítmico da cabeça, se tudo aquilo que está escrito no guia turístico corresponde à realidade e se tudo aquilo que se vê na realidade está escrito no guia (...)
Estas «instruções de utilização» estão contidas no prospecto e parecem ao senhor Palomar perfeitamente plausíveis e imediatamente aplicáveis, sem esforço, desde que se esteja deveras seguro de ter uma individualidade que se possa despir e de estar a olhar o mundo do interior de um eu que se possa dissolver, tornando-se apenas olhar. Mas é exactamente este ponto de partida que exige um esforço de imaginação suplementar, dificílimo de efectuar quando o nosso próprio eu é aglutinado por uma multidão compacta, que olha através dos seus mil olhos e percorre sobre os seus mil pés o itinerário obrigatório da visita turística.
Conclui-se portanto que as técnicas mentais Zen, destinadas a alcançar o limite extremo da humildade, a distanciação em relação a qualquer forma de posse e orgulho, têm necessariamente como base o privilégio aristocrático, pressupondo o individualismo, com muito espaço e muito tempo à volta de cada um.
Italo Calvino - Palomar (1983)
Planeta DeAgostini (2001)
in http://kidcrave.com/scoop/home-library-slide/
O momento que mais conta para mim é o que antecede a leitura. Às vezes é o título que basta para acicatar em mim o desejo de um livro que se calhar não existe. Às vezes é o incipit do livro, as primeiras frases... Resumindo: se para vocês basta pouco para pôr a imaginação em movimento, a mim basta-me ainda menos: a promessa da leitura.
Italo Calvino – Se Numa Noite de Inverno Um Viajante (1979)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
não é possível discernir o momento em que o destino da pessoa escolhe a estrada.
Lídia Jorge – A Costa dos Murmúrios (1988)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
Era a primeira aula de «História Local». Eu procurava, como costumo fazer, um tema que despertasse a atenção dos meus alunos e os lançasse numa animada troca de ideias. « Digam-me lá que imagens, que estereótipos, que histórias associamos normalmente à cidade do Porto?»
Algum embaraço inicial foi rapidamente superado: «cidade do trabalho», «cidade da liberdade», «o granito», «a chuva», «o cinzento», «Não! Cinzento não! É o contrário! As casas coloridas!», «a Cidade Invicta», «os tripeiros». Com uma pequena ajuda minha - a pedagogia não directiva tem os seus limites... -, acabámos o quadro: «o bairrismo», «a solidariedade», «o carácter». Já havia muito por onde começar. Tentei pôr alguma ordem no caos: «A chuva e granito são dados objectivos! A chuva mede-se e o granito está lá! A qualificação de "Invicta" tem uma história (...) o professor continuava ali, disciplinando as intervenções objectando para suscitar maior consistência nos argumentos; mas o observador, o «amador» do Porto distanciava-se com alguma incomodidade: quanta banalidade, Deus meu!, o trabalho, o granito, a liberdade... Em que momento do caminho é que o meu Porto ficou prisioneiro de um punhado de lugares-comuns, que, repetidos até à exaustão, perderam qualquer capacidade de bulir com imaginações, quanto mais com vontades? (...) Quanto mais gosto do Porto e melhor o conheço, mais díficil me é escrever sobre ele.
Luís Miguel Duarte, Prefácio
Germano Silva e Lucília Monteiro – Porto, a Revolta dos Taberneiros e Outras Histórias (2004)
Editorial Notícias (maio 2004)
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