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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Wiktoria Ulma - 10 de dezembro de 1912

10.12.24

No início da Segunda Guerra Mundial, Józef Ulma era um cidadão proeminente no vilarejo de Markowa: bibliotecário, fotógrafo, ativo na vida social e na Associação da Juventude Católica local. Ele era um fruticultor e apicultor. Sua esposa, Wiktoria Niemczak Ulma, era dona de casa. Eles se casaram em 7 de julho de 1935 na Igreja de Santa Doroteia, em Markowa.Juntos, eles tiveram sete filhos: Stanisława (Stasia), Barbara (Basia), Władysław (Władzio), Franciszek (Franio), Antoni (Antoś), Maria (Marysia) e um sétimo bebê que estava em gestação. 

No ano de 1942, os nazistas deportaram várias famílias judias de Markowa para os Campos de Concentração como parte da sua política antissemita. Apenas aqueles que estavam escondidos nas casas de camponeses sobreviviam à perseguição. [...] Inspirado na parábola de Jesus sobre o "Bom Samaritano", Józef Ulma abrigou todos os oito judeus em sua casa, reservando em sigilo o sótão para se esconderem das buscas dos oficiais nazistas.[...] No entanto, os Ulmas foram denunciados por Włodzimierz Leś, um polícia nazista que havia tomado posse dos imóveis da família Szall e que queria livrar-se dos legítimos proprietários. [...]

Nas primeiras horas da manhã de 24 de março de 1944, uma patrulha da polícia alemã de Łańcut, comandada pelo tenente Eilert Dieken, chegou à casa dos Ulmas, que ficava nos arredores do vilarejo.

Os alemães cercaram a casa e fizeram reféns os moradores. Todos os oito judeus foram assassinados [...] Em seguida, assassinaram a gestante Wiktoria e o seu marido diante de moradores, que foram obrigados a assistir a cena como forma de lição. Mais tarde, Eilert Dieken, deu a ordem para matar também os seis filhos da família com um tiro na nuca, que choravam ao verem os corpos dos pais, "para que não houvesse problemas com eles".Durante a execução, Wiktoria entrou em trabalho de parto do seu sétimo filho, ficando o bebé com a cabeça e o peito à mostra entre as pernas da mãe após o massacre.[...]

Em 13 de setembro de 1995, Józef e Wiktoria Ulma receberam postumamente os títulos de Justos entre as Nações pelo memorial Yad Vashem [...]

Em 24 de março de 2004, o 60º aniversário da sua execução, um memorial de pedra foi erguido na aldeia de Markowa para homenagear a memória da família Ulma. A inscrição no monumento diz:

Salvando a vida de outras pessoas, eles deram suas próprias vidas. Escondendo oito irmãos mais velhos na fé, eles foram mortos com eles. Que o seu sacrifício seja um apelo ao respeito e ao amor para com cada ser humano! Eles eram os filhos e as filhas desta terra; eles permanecerão em nossos corações.

[...] o Papa Francisco recordou o testemunho deixado pela família Ulma durante a oração do Angelus, na Praça de São Pedro:

“ Uma família inteira exterminada pelos nazistas em 24 de março de 1944 por dar refúgio a alguns judeus que estavam sendo perseguidos. Ao ódio e à violência que caracterizaram aquela época, eles opuseram o amor evangélico. Que essa família polaca, que representou um raio de luz na escuridão da II Guerra Mundial, seja para todos nós um modelo a ser imitado no ímpeto do bem e no serviço a quem mais precisa."

[...]

Durante a homilia da missa de beatificação da família Ulma, o Cardeal Semeraro destacou [...] o testemunho cristão do nascituro Ulma, que "sem nunca ter pronunciado uma palavra", [...] o pequeno Beato clama ao mundo moderno para acolher, amar e proteger a vida, especialmente a dos indefesos e marginalizados, desde o momento da concepção até à morte natural"

https://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%B3zef_e_Wiktoria_Ulma

 

imagens https://www.yadvashem.org/righteous/stories/ulma.html

 

 

cordas tectónicas

17.10.23

Guerra do Yom Kippur [...], também conhecida como Guerra Árabe-Israelense de 1973, Guerra de Outubro, Guerra do Ramadão ou ainda Quarta guerra Árabe-Israelense, foi um conflito militar ocorrido de 6 de outubro a 26 de outubro de 1973, entre uma coalizão de estados árabes, liderada por Egito e Síria, contra Israel. O episódio começou com um ataque do Egito e da Síria.

Planejado para o dia do feriado judaico Yom Kippur, forças do Egito e Síria cruzaram, respectivamente, as linhas de cessar-fogo no Sinai e nas colinas do Golã, territórios que haviam sido capturadas por Israel, em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias.

[...]

A guerra teve implicações profundas para muitas nações. O Mundo Árabe, que havia sido humilhado pela derrota desproporcional da aliança egípcio-sírio-jordaniana durante a Guerra dos Seis Dias, se sentiu psicologicamente vingado por seu momento de vitórias no início do conflito, apesar do resultado final. Esse sentimento de vingança pavimentou o caminho para o processo de paz que se seguiu, assim como liberalizações como a política de infitah do Egito. Os Acordos de Camp David, em 1978, levaram a relações normalizadas entre Egito e Israel - a primeira vez que um país árabe reconheceu o Estado israelense. O Egito, que já vinha se afastando da União Soviética, então deixou a esfera de influência soviética completamente.

Uma das consequências desta guerra foi a crise do petróleo, já que os estados árabes, membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) boicotaram os Estados Unidos e os países europeus que apoiavam a sobrevivência de Israel. Se a curto prazo a medida agravou a crise econômica mundial, a longo prazo a comunidade internacional aprendeu a usar fontes alternativas de energia, e inclusive outras áreas do planeta começaram a aumentar a exploração de petróleo, como foi o caso da região do mar do Norte, na Europa, do Alasca, nos Estados Unidos, da Venezuela, do México, da África do Sul, da União Soviética e, também no Brasil.

in https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Yom_Kippur

 

créditos: https://twitter.com/Hedgeye/status/1202690116399108097?lang=ar-x-fm

 

e via o rosto dos enforcados, um por um, com os imensos olhos abertos, a lhe devolverem intacta e acusadora toda a angústia do seu fim. 

 

José Eduardo Agualusa – A Conjura (1989)

Quetzal Editores (2017)

 

futuro[s] assassinado[s]

04.03.22

Talvez que a vida não responda ao tratamento que lhe damos quando a seu respeito falamos.

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

in https://www.youtube.com/channel/UC7fWeaHhqgM4Ry-RMpM2YYw/community?lb=Ugkx-hJH2LtxRA_XG9RiezzS4qBFsLeoM7Fo

 

reboques

14.06.21

A 1 de agosto de 1986, em Washington D.C., a câmara dos representantes do Congresso Federal dos Estados Unidos , dirige uma carta ao Presidente da República Portuguesa, Mário Soares:

«[...] Provavelmente, conhece o caso do Dr. Aristides de Sousa Mendes [...] que salvou 30 mil judeus e outros em 1940 [...] da invasão nazi. Estudiosos do Holocausto consideram-no como um dos maiores humanitaristas desse período negro da história [...] Nós exortamo-lo a reconhecer o gesto do Dr. Sousa Mendes e a honrá-lo de forma apropriada.» [...] A 9 de setembro de 1986, Mário Soares responde aos congressistas norte-americanos [...]: « A vida dramática do Dr. Aristides de Sousa Mendes e a necessidade de lhe fazer justiça pública já há muito tempo que se encontram no centro das minhas preocupações. [...] Assim, tenho o prazer de os informar que em reconhecimento do seu comportamento heroico [...] tenciono conceder-lhe uma alta condecoração portuguesa

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)

 

 

cercos (de alma) e secretaria

12.05.21

Na conversa que Aristides teve com Angelina e com os filhos José António, Pedro Nuno e Isabel (e Jules d'Août, seu genro) invocou vários argumentos espirituais e históricos, que já foram citados por vários autores. Tentarei recriar um deles, que me foi dito e repetido muitas vezes pelos meus familiares e por outras pessoas que o conheceram bem: «Estes refugiados são filhos de Deus, vítimas inocentes de uma guerra monstruosa que os foi tirar a suas casas, e se não fizermos nada por eles, poderão morrer debaixo de bombas, ou de fome, ou serem assassinados pelo invasor. A nossa obrigação e dever, como pessoas crentes em Deus, é ajudá-los, tal como faria o Bom Samaritano. A Circular 14 é injusta e não tem em conta os terríveis sofrimentos causados a todas estas pessoas. Foi redigida numa secretaria em Lisboa, longe desta realidade, sob influência de um polícia que apenas pensa na sua carreira e bem-estar. 

Vou desobedecer frontalmente a esta Circular a partir de hoje, e fazer tudo quanto puder para ajudar o maior número de refugiados. Conto com a vossa total colaboração para dar vistos gratuitos a todos quantos pudermos. A vossa mãe, com quem já falei, dá-me todo o seu apoio, e está disposta a também prestar ajuda e a cuidar das pessoas que tenham mais necessidade de atenção. Estou consciente de que perderei o meu trabalho, e a vossa vida vai alterar-se. Tudo vai ser mais difícil para nós, mas também tenho a confiança de que Deus não nos abandonará. Ao fazermos o bem a estes refugiados é ao próprio Cristo que o faremos e não seremos esquecidos - um dia poderemos ganhar o céu. 

Por outro lado, este gesto redentor é-lhes devido pelo sofrimentos causados nos séculos XV e XVI pela lei da expulsão dos judeus de 1496 e pelo estabelecimento da Inquisição em Portugal. Esta é uma oportunidade para o nosso país reparar um erro histórico e corrigir os erros do seu passado. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

in https://ocastendo.blogs.sapo.pt/31-de-marco-de-1821-fim-da-inquisicao-2063948

in https://ncultura.pt/inquisicao-medo-tortura-fogueiras/2/

in https://www.leme.pt/magazine/efemerides/1205/dom-manuel-i-assina-o-decreto-de-expulsao-dos-judeus-de-portugal.html

 

memória coletiva

11.05.21

«No dia 10 de maio de 1940, fomos acordados em sobressalto por um barulho estranho; lá fora estava um belo dia cheio de luz e vimos aviões sobrevoando Bruxelas, largando bombas que pareciam grandes objetos cor de prata, brilhando ao sol. Ao ligarmos a rádio, ouvimos dizer que a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo tinham sido invadidos na vèspera pela Alemanha e a população era convidada a manter-se à escuta para ouvir outras informações» [...] Foi assim, de surpresa, como era próprio da Blitzkrieg. Não se avisava ninguém e era só avançar, aterrorizando e esmagando o povo invadido. Os belgas, os franceses e outros povos voltavam 20 anos para trás. As estradas tornaram a encher-se de famílias que levavam alguns bens que na desgraça lhes pudessem valer, e alguns alimentos. Os belgas dizem que dois milhões de compatriotas seus se puseram em fuga. Outros falam em dois milhões e meio.

Nesta sua crónica mais tarde transformada em livro, Lucie Matuzewitz continua a descrever a sua odisseia [...] «Apanhámos o último comboio que saía para Paris; os comboios seguintes foram bombardeados e nunca chegaram ao destino. As estradas estavam completamente bloqueadas com automóveis dirigindo-se para sul [...] havia aviões que metralhavam em voo picado os refugiados que caminhavam ao longo das estradas [...] passámos uma noite muito agitada, porque uma bomba caiu ao lado da Torre Eiffel, perto do nosso hotel [...]. Decidimos ir para Bordéus. Infelizmente, poucos dias depois todo o governo francês estava nesta cidade. Uma nuvem de refugiados vindos do norte de França, da Bélgica, da Holanda, deambulava agora pelas ruas, dormindo nos parques e nas estações, não encontrando alojamento [...].»

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

 

bemzinho fedorento

06.04.21

Para o capitão gostinho Lourenço, «o cônsul de Bordéus andava mesmo a pedi-las», e essas contas teriam de ser ajustadas, quanto mais cedo, melhor! A PVDE, entretanto, ia-se substituindo ao próprio MNE na decisão de atribuição de vistos, como o demonstra a comunicação da polícia política de 22 de abril de 1940, recebida a 23 do MNE: «Tem notado esta diretoria, de há uns tempos a esta parte, que os pedidos de judeus holandeses para virem para Portugal tomam um volume que não é de desprezar, atendendo à convulsão que agita a Europa. Por outro lado, os nossos serviços têm registado uma agitação por parte dos judeus, que nos tem feito tomar medidas rigorosas sobre a sua atividade. Nestes termos, rogo a V.Exa. que a bem do serviço público, os senhores cônsules na Holanda sejam avisados, para antes de pedirem autorização para visarem os passaportes, averiguarem bem se os indíviduos que desejam vir são ou não judeus, a fim de se evitar a entrada em Portugal de indivíduos dessa qualidade. A bem da Nação. Lisboa, Secretaria-Geral da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado. 22 de abril de 1940.»

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

 

entendimentos rolha

10.03.21

Após o despiste, motivado pelo cansaço, o meu avô terminou a viagem em Ciudad Rodrigo, em Espanha, mesmo antes da fronteira com Portugal, para pôr a família em lugar seguro. Aí, apareceu Silvério, seu sobrinho, que os ia buscar para passarem a fronteira para Portugal, evitando que a polícia política na fronteira identificasse o cônsul. A PVDE estava a tornar-se cada vez mais interventiva, e com o estado de guerra declarado na Europa, o seu comandante, o capitão Agostinho Lourenço, aproveitava tudo para se pôr em evidência e ganhar mais terreno e poder. As suas pressões, juntamente com as de outros funcionários do MNE e elementos da sociedade portuguesa com simpatias germanófilas - e havia bastantes - levaram Salazar a assinar mais uma circular para conter os fluxos migratórios de seres humanos que desejassem entrar em Portugal. Chegara-se assim à Circular 14, assinada a 11 de novembro de 1939. Não trazia boas notícias ... 

[...]

A famigerada Circular 14, de 11 de novembro de 1939, assinada por Luiz de Sampaio (secretário-geral do MNE), em nome do ministro António de Oliveira Salazar, começava por evocar «as atuais circunstâncias anormais para adotar certas providências e definir algumas normas que previnam [...] em matéria de concessão de passaportes consulares portugueses e de vistos consulares, abuso e práticas de facilidades que a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado entende inconvenientes ou perigosas [...] nesta orientação fica determinado o seguinte:

[...]

2 - Os cônsules de carreira [Aristides de Sousa Mendes e outros] não poderão conceder vistos consulares sem prévia consulta ao Ministério dos Negócios Estrangeiros:

ao estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos portadores de passaporte Nansen [nome do diplomata norueguês pelo qual ficaram conhecidos os "passaportes" que deu aos apátridas, isto é, aos que foram expoliados da sua nacionalidade e ficaram indocumentados] e aos russos;

aos estrangeiros que não aleguem de maneira que o cônsul julgue satisfatória, os motivos da vinda para Portugal e ainda àqueles que apresentem nos seus passaportes a declaração ou qualquer sinal de não poderem regressar livremente ao país de onde provêm; com respeito a todos os estrangeiros devem os cônsules procurar averiguar se têm meios de subsistência;

aos judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou de aqueles de onde provêm. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

in https://outraspalavras.net/gavinadams/2020/01/18/memes-de-emergencia/

 

a saúde está no coração

03.03.21

Sebastião (...) ao despedir-se do pai prometeu-lhe, diante da mãe, que iria contar ao mundo a história da atitude heroica do cônsul de Bordéus em 1940. E assim o fez. Em agosto de 1945 instalou-se na Califórnia, e com o irmão Carlos Francisco Fernando começou a divulgar o gesto de rebeldia praticado pelo pai, que tantas vidas tinha salvado, e que era uma verdadeira proclamação dos direitos humanos. Escreveu vários rascunhos (...)

Mas nos anos que se seguiram ao apocalipse que foi a Segunda Guerra Mundial, a Humanidade não estava preparada para ler histórias de morte, destruição e iniquidade. As pessoas queriam olhar para um futuro menos escuro, menos duro. Acabavam de sair do inferno, queriam esquecê-lo, queriam aproveitar o que a vida tinha de bom para lhes oferecer, e deixar para trás os anos de luta e desesperança. É verdade que havia filmes sobre a guerra, e as pessoas iam ao cinema vê-los, mas era difícil o processamento, de um ponto de vista mais racional, mais intelectual, de um horror como a carnificina que foi o Holocausto. Era muito penoso, como coletivo, termos de nos interrogar sobre as razões que permitiram que tal monstruosidade acontecesse. 

Teriam de passar 70 anos para que os países que participaram na Segunda Guerra Mundial se voltassem para esse período da História, fizessem eles parte dos vitoriosos ou dos derrotados. Essa já era uma história que tinha sido vivida pelos nossos avós, duas gerações tinham nascido e crescido depois daquele horror, e agora desejavam compreender minimamente aquilo que pais e avós não puderam entender. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

 

atirar a salvar

11.02.21

Ao olharmos para a lista dos emolumentos do consulado de Portugal com os nomes de pessoas que pagaram para obter o visto, é possível constatar a existência de muitos nomes que poderiam ser "suspeitos" segundo os critérios da PVDE. As pessoas falavam umas com as outras e transmitiam os seus sentimentos, os medos e as ânsias de forma espontânea. O cônsul de Portugal começava a ser falado nos lugares públicos, por «ajudar judeus a deixar França», como relata o biógrafo Rui Afonso.

Quando Aristides vem a Portugal para o casamento da filha, já traz na bagagem o início do primeiro caso que vai custar-lhe a carreira: é o caso Wiznitzer - o primeiro visto, passado apenas dez dias depois da entrada em vigor da Circular 14. Arnold Wiznitzer, a mulher e o filho, por terem perdido a nacionalidade austríaca e por serem judeus, tinham-se tornado personae non gratae numa Europa em guerra. O seu único objetivo era sobreviverem e conseguirem sair do continente europeu. Aristides assina-lhes o visto para virem a Portugal apanhar um navio para o outro lado do Atlântico, a 21 de novembro de 1939. Não havia tempo a perder com burocracias, pois Wiznitzer iria ser "internado" num campo de concentração por se encontrar em França de forma irregular. O pedido de autorização para passar o visto foi enviado para Portugal a 27 de novembro por Aristides, repetido a 6 de dezembro, e sempre nada... As autoridades portuguesas nunca responderam de forma séria, pois começaram a dizer em tom de troça que o cônsul primeiro passava os vistos e depois é que pedia autorização, para estar conforme à Circular 14. De facto, enquanto os militares nazis primeiro atiravam a matar e depois é que faziam perguntas, Aristides primeiro salvava pessoas e depois é que se conformava à burocracia lenta e pesada. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)