Coleccionei loucos, como imagino que aconteça com toda a gente que atende ao público; apanhei vários ladrões de livros em flagrante, mas fui enganado por muitos mais; tentei despistar stalkers, que faziam por decorar os turnos de algumas colegas mulheres (como pudemos perceber pelas entrevistas, elas continuam a ser um alvo preferencial das atitudes mais condenáveis); disse muitas vezes «Esse livro está esgotado», disse muitas menos «Esse livro é incrível». Tirei satisfação genuína (e a espaços mesquinha) dos erros nos pedidos por parte de inúmeros clientes. «O Gato Marado e a Andorinha Sei Lá», de Jorge Amado. «A Sida e a Arte», de Hermann Hesse. «O Processo Civil», de Franz Kafka. «Portugal Hoje, o Medo de Existir», do professor José Cid.
Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)
Trabalhos relativamente precários (ou flexíveis, consoante a terminologia escolhida), experiências que implicam ralação directa com consumidores de vários géneros, passagem pelos quase obrigatórios call centers. Ricardo começou a lidar com clientes há cerca de dez anos, numa loja da zona do Chiado, em Lisboa. Um lugar tranquilo, com muitos clientes habituais, alguns curiosos, mas não só. «Também havia aqueles a quem eu chamava os loucos do Chiado; isto é mesmo a sério. Eram pessoas que iam a consultas de psicoterapia e de psiquiatria ali ao lado e que depois iam entreter-se na loja. Algumas velhinhas também iam lá depois da missa.» No caso, tratava-se de uma loja - mais exactamente uma flagship store - especializada em objectos de decoração e design, na qual Ricardo trabalhava em regime de part-time enquanto frequentava o mestrado na Faculdade de Belas-Artes. « O horário era bom e o salário, apesar de não ser elevado, compensava. Fazia umas cinco horas por dia e uma parte era paga por fora, livre de impostos, por isso valia a pena», relembra entre risos.
Daí passaria para o mais do que famoso Museu Berardo, instalado no Centro Cultural de Belém (CCB), espaço onde exercia várias funções [...] «Era um trabalho bom porque permitia bastante flexibilidade, na prática era uma prestação de serviços [...] A flexibilidade do vínculo e o acesso facilitado à entrada em funções permitiam que trabalhassem naquele espaço muitos estudantes, principalmente da área das Artes, e o público acabava por assumir diferentes matizes de comportamento. «Claro, apareciam lá imensas pessoas, de todos os tipos. Gente interessada em arte contemporânea, mas também muita gente zangada com o Berardo, coisa muito actual, até; era malta que ia para lá atirar-nos larachas, bocas, como se nós fôssemos o próprio Berardo... e o problema é que nós não podíamos dizer "olhe que eu concordo consigo."»
Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)
No fundo, a ideia-base para este «Retrato» passa por dar a conhecer mais de perto aqueles para quem o atendimento ao público é um modo de vida. Numa economia cada vez mais virada para os serviços, há cada vez mais gente a trabalhar em horários desencontrados, sem gozo de fins-de-semana, estando a postos quase em permanência. Falo dos funcionários das lojas em centros comerciais, dos empregados em restaurantes e cafés mais ou menos gourmet, dos operadores de call center, dos trabalhadores colocados em serviços públicos, gente que passa os seus dias cara a cara com problemas, interrogações, necessidades mais ou menos urgentes. Estas vidas estão construídas em função da satisfação dos mais variados públicos, cada vez mais exigentes (e a espaços intransigentes), com uma noção mais clara dos seus direitos como «consumidores», latu sensu, e donos de um enorme alheamento em relação aos anónimos por quem são servidos [...]
Quem são as pessoas que nos atendem todos os dias? Como é lidar em permanência com estranhos?
Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)
“Back Together”: a edição 2021 do NESB aborda o poder da música para unir as pessoas e neutralizar os efeitos do isolamento resultantes da Covid-19. “Back Together” expressa o otimismo de que o período de restrições, devido à pandemia, é apenas temporário e que as relações físicas "normais" entre as pessoas serão restauradas em breve!
A canção “Raio Verde” é sobre saúde mental, perda de memória, isolamento. A ideia foi criar uma canção sem limites: onde ninguém consegue distinguir onde termina o Tota e começa o EU.CLIDES. Tudo feito em conjunto, tudo soando em uníssono. Como uma Hydra, na própria produção vocal, e até mesmo na composição. Compartilhar é o que permite às pessoas criarem mais do que trabalhando sozinhas. “Raio Verde” é um monstro de duas cabeças.
Ficha artística:
canção “Raio Verde” - Euclides, Tota (música) | Tota (letra)
A sociedade portuguesa de 1940 estava muito dividida no que dizia respeito aos seus sentimentos por Salazar. E ainda hoje, apesar da revolução de 1974, que permitiu ao país viver em democracia, a memória do ditador suscita ideias contraditórias em alguns sectores: há quem insista em perpetuar a memória de um Salazar "autoritário, mas bonzinho", pondo em dúvida que tenha, sequer, colaborado com o nazismo (nem mesmo de forma não consciente). Como se barrar o caminho da salvação a potenciais vítimas da perseguição e dos campos de concentração e da morte, só para dar um exemplo que me toca mais de perto, não fosse colaboração suficiente com o horror nazi...
António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)
deus me proteja de mim e da maldade de gente boa da bondade da pessoa ruim deus me governe, guarde ilumine e zele assim caminho se conhece andando então vez em quando é bom se perder perdido fica perguntando vai só procurando e acha sem saber perigo é se encontrar perdido deixar sem ter sido não olhar, não ver bom mesmo é ter sexto sentido sair distraído e espalhar bem-querer
Outros fatores contribuíram para esta alteração no panorama musical. No final dos anos 70, alguns dos melhores artistas de antes do 25 de Abril, estavam nitidamente em crise. Zeca Afonso, farol de gerações, com discos geniais, e outros artistas, «pareciam atravessar uma crise de inspiração». A produção mais panfletária também perdera grande parte do seu interesse e força. As carreiras de cantores e compositores consagrados evidenciavam alguma arritmia. Alguns, nunca conseguirão passar «os anos 80». Como por exemplo, «Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, Carlos Mendes, toda essa gente que não consegue passar os anos 80, e ali fica, encalhada, com muita amargura nalguns casos»
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)