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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

14
Set23

girando em frente

Cecília

Assim que começou a limpar o Parlamento - há tantos anos que já nem se lembra -, depois de ter trabalhado num lar, a mulher de cabelos cinzentos a denunciar mais de meio século de vida pensou em despedir-se logo no primeiro mês. O motivo era simples: de tão grande que é a Assembleia da República, Feliciana Afonso sentia medo só de pensar que tinha de se deslocar de uns sítios para os outros sem saber o caminho. O tempo fez questão de lhe ensinar os percursos e as contas para pagar ao final do mês acabaram por pesar mais do que qualquer insegurança. [...]

Durante a pandemia, deixou de se preocupar com as incertezas. Nunca se preocupou muito com o futuro, agora ainda menos. Fechou os olhos e teve «fé em Deus». Só.

Se tiver de ter tenho, se não tiver de ter não tenho. Mesmo quando estava no centro de dia não tinha medo de nada. Sou uma mulher de trabalho e não temos de ter medo de nada. Não, não. Nem é por limpar o chão que sou menos que os outros. Olhe, tanto me pega a mim, como ao senhor primeiro-ministro. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

24
Mar22

vírus imortais

Cecília

Pertencente a uma faixa etária muito mais baixa, Marcelo sentiu directamente os efeitos da pandemia no campo profissional, ficando com esse lado virado do avesso. Estando a trabalhar sem contrato na área de restauração, hotelaria e turismo, era de esperar que à calamidade de saúde pública se juntasse a calamidade laboral, carregada de dificuldades. «Perdi o meu emprego no restaurante, nunca mais tive clientes na minha experiência da Airbnb... fiquei sem rendimentos e fui forçado a fazer uns extras na construção civil.» Um mundo novo e desconhecido, no qual entrou por necessidade [...] Passados estes meses, Marcelo dá voz a uma frustração que vai um pouco mais além das contrariedades ao nível do trabalho e do ganhar a vida de todos os dias. «O que me magoa mais neste processo é o agravar da desigualdade social que já existia antes desta covid-19.» Sem grandes perspectivas no futuro imediato, de uma coisa Marcelo está convicto: «A incerteza e o medo são os piores vírus da nossa sociedade.»

 

Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)

 

 

25
Jan21

porfiar

Cecília

Através das suas múltiplas variações os contos maravilhosos apresentam situações de crise e de renovação. Descrevem terríveis tribulações, prodígios de abnegação, sofrimentos insondáveis; mas simultaneamente dão a entender que o sofrimento gera a compreensão, o sacrifício propicia a renovação, a abnegação prepara proventos futuros. Isto é, os contos maravilhosos falam de dias maus numa perspectiva otimista. Incitam auditores e leitores a não baixar os braços, convidam a porfiar. 

 

Francisco Vaz da Silva – Gata Borralheira e Contos Similares (2011)
Círculo de Leitores e Temas e Debates (2011)

 

 

09
Mai19

no tempo certo - fruto inteiro e maduro

Cecília

Recomeça... se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só metade.

 

Miguel Torga

 

 

19
Mar19

executar o destino

Cecília

Se fôssemos capazes de raciocinar, deveríamos resignar-nos a esta evidência, de que o nosso destino é perfeitamente impossível de conhecer, de que qualquer conjectura é arbitrária e perfeitamente carente de qualquer fundamento real. Mas os homens só muito raramente são capazes de raciocinar, quando o que está em jogo é o seu próprio destino; preferem em todos os casos as posições extremas; por isso, conforme os seus caracteres, entre nós uns convenceram-se imediatamente de que tudo está perdido, que aqui não é possível viver e que o fim é inevitável e próximo; outros convenceram-se de que, apesar da extrema dureza da vida que nos espera, a salvação é provável e não está longe e, se tivermos fé e força, voltaremos a ver as nossas casas e as pessoas amadas. 

 

Primo Levi – Se Isto É Um Homem (1947)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)

 

 

 

 

 

 

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