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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

primavera d'alma

21.03.22

O rio Douro não teve cantores. Teve-os o Mondego e o Tejo também [...] O rio Douro ficou banido da lírica portuguesa com a sua catadura feroz pouco própria para animar os gorjeios dos bernardins, que são sempre lamurientos e que à beira de água lavam os pés e os pecados. E, no entanto, trata-se de um rio majestoso como não há outro.

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

lume aceso

05.05.21

O próprio «Chico Fininho» tinha surgido assim, com um desconhecido a cantar acompanhado à guitarra. Segundo António Duarte, «foi a Lena d'Água que me deu uma cassete, na Drogaria Ideal». E acrescentou: «se gostares passa, é de um amigo meu do Porto, chama-se Rui Veloso». 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018) 

 

 

 

com o rio à porta

05.09.17

 

Com a foz do rio à porta (...) a cidade transformou-se (...). «O Douro», escreveu Cruz Malpique, «foi que fez o Porto tal como foi, tal como é, tal como será sempre: trabalhador, independente, vigoroso, de falas desassombradas, de cerviz bem erguida, batendo o pé a todas as tiranias

 

 

Germano Silva e Lucília Monteiro – Porto, a Revolta dos Taberneiros e Outras Histórias (2004)

Editorial Notícias (maio 2004)

 

 

 

 

sensacionalismos de ontem e curiosidades eternas

17.07.17

Foi no dia 29 de Março de 1852 que se verificou o naufrágio do vapor Porto, à entrada da barra do Douro e à vista de centenas de pessoas que nada puderam fazer para socorrer os náufragos (...) O barco, que levava aos comandos o experiente piloto António Pinto, saíra do rio Douro, na véspera, ou seja a 28 de Março de 1852, que era um domingo, com destino a Lisboa (...).

O Porto era um vapor já cansado, já com alguns anos de uso. Evidenciava a necessidade urgente de alguns reparos, mas era geralmente considerado um navio seguro, e por isso ninguém, naquele dia, se atemorizou com os perigos que pudessem advir da viagem, apesar do mau tempo que se fazia sentir ao longo de toda a costa. Mas ao sair da barra, o barco começou a gingar perigosamente. O já aqui citado cronista, ao descrever a saída da embarcação do rio para o mar, diz que «naquele espaço que medeia entre as águas do Douro e o mar, o Porto começou a oscilar, ora para bombordo, ora para estibordo, enquanto o vento rugia no velame desfraldado em brutais sopros prenunciantes de tempestade, a varrer as primeiras lufadas da Primavera». (...) A viagem durou até alturas da Figueira da Foz. Dando-se conta de que em vez de amainar a tempestade se tornava cada vez mais violenta e ameaçadora, o piloto António Pinto resolveu retroceder para regressar ao ponto de partida. Não conseguiu, porém, entrar na barra e deu-se a tragédia.  

Voltamos a citar o colega que em 1852 fez a reportagem do acontecimento para um dos jornais do Porto: « A escassas dezenas de metros de terra firme, a embarcação empinava-se constantemente, desobediente ao leme (...) a corrente brincava com ela, encavalgava-a nas cordilheiras formidáveis ou mergulhava-a nos aquáticos vales espadanantes em tormentosos balanços rugidores». 

O estilo é, no mínimo, medonho. Mas noutros parágrafos as descrições são aterradoras (...) « o Porto agitava-se cavernosamente e, sob o céu empardecido, as gaivotas fugiam céleres para as bandas da terra, adejando, empurradas pela ventania que detinha a distância as barcaças dos pilotos. As vozes pretendiam dominar os estalos sinistros dos entrechoques das ondas, lançavam-se cabos ao desarvorado vapor, ouviam-se os desesperados gritos dos passageiros, acorridos à tolda, erguendo os braços, pedindo socorro e chorando ao verem os botes dos práticos fazendo-se à terra numa confissão de impotência». (...)  «Mas lá nos seus mistérios de negrume, o Porto acabara quebrado pelo meio. Como uma palha atirada de empuxão em empuxão, batera em lagedos, roçara em línguas de areia, morrera na fúria da porcela».

Na manhã seguinte, ao descerrar do nevoeiro, lobrigavam-se a boiar à tona das águas os restos do vapor. Das cinquenta e duas pessoas que havia a bordo, salvaram-se nove. Os sinos de todas as igrejas do Porto dobraram a finados (...) Entretanto, o mar começava a devolver os cadáveres à terra. Junto ao Castelo do Queijo apareceu a primogénita de José Alen, «descomposta», dizia um jornal; em Carreiros apareceram os corpos de James Elmsley, sobrinhos dos Andersens; o de um clérigo, o padre Bernardo António Pereira Leite de Carvalho; e o do juiz Silveira Pinto. O cadáver de José Plácido Braga, « inchado, ferido de rasgões fundos na carne pelos embates nos penedos», apareceu encravado nas rochas do Cabedelo. A sua mala, com uma moeda de ouro incrustrada no fundo, foi dar às praias de Lavra (...).

Uma curiosidade: em 19 de Julho de 1958, na barra do Douro, foram lançadas à agua as cinzas de um bravo marinheiro. Chamava-se John Cowie e era capitão do barco Seanew que vinha com muita frequência ao rio Douro, onde descarregava automóveis e sal e carregava vinho do Porto e têxteis. Quando morreu fez questão de que as suas cinzas fossem lançadas na barra do Douro, em homenagem ao sítio mais perigoso que conhecera, em toda a sua vida (e foi longa) de marinheiro. 

 

 

Germano Silva e Lucília Monteiro – Porto, a Revolta dos Taberneiros e Outras Histórias (2004)

Editorial Notícias (maio 2004)