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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

camilo (II)

16.03.23

Basta ver como Camilo usava a língua portuguesa para ficarmos informados sobre a sua vontade de poder, de conquistar a atenção, a fama e a alma da Praça. Isso acontece com o espírito que é ávido porque é extremamente sobrecarregado de talentos. Aconteceu com Shakespeare, por exemplo. A maneira como dispõe as frases, como escolhe e arremessa as palavras tem muito duma estratégia guerreira. Utiliza o alfabeto como balas e os versos como trincheiras. Julieta fala um tom acima da sua estatura feminina; Hamlet fala para a posteridade e não para a sua pequena corte de intrigantes. 

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

celeb (descereb)

03.05.22

Odeio cerimónias, lamentações [...] Odeio igualmente a pompa, a indiferença e o ênfase, sempre colocado no local errado, de todas as pessoas que se pavoneiam à luz de candelabros envergando vestidos de noite, estrelas e condecorações

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

tagarelices degradantes

18.01.22

Sinto-me ofendido pela sua tagarelice, pelos seus risinhos; é algo que perturba a minha calma, fazendo com que, em momentos da mais pura exaltação, me veja obrigado a lembrar a degradação humana. 

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

uma questão de bundas

01.09.21

... a propósito do subtema Gata Borralheira: neste ciclo, que devemos tomar como um todo, a heroína e o príncipe desencantam-se mutuamente; nisto consistindo, afinal, o proverbial casamento pelo qual serão felizes para sempre. 

 

Francisco Vaz da Silva – Gata Borralheira e Contos Similares (2011)
Círculo de Leitores e Temas e Debates (2011)

 

démographie comparée

28.07.21

Em 1940, Portugal contava com pouco mais de oito milhões de habitantes. Era uma sociedade muito rural, muito fechada, com muita pobreza. As pessoas conheciam, ou "reconheciam", quais eram as «boas famílias» e quais eram as famílias " a evitar". A nossa passou a ser reconhecida como fazendo parte dessa última categoria por razões políticas

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)

 

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in https://www.facebook.com/pg/acriadamalcriada/posts/

 

fazer cordas de areia

01.06.21

No início do giro, endireitava-se, tirava o apito, um dos grandes, e soprava, com cuspo a voar em todas as direcções. Isto era para as crianças saberem que ele tinha chegado. Levava-lhes rebuçados. Elas vinham a correr e ele ia-lhes dando os rebuçados enquanto descia a rua. O bom do G.G. [...]

Mas um dia o G.G. meteu-se numa alhada. O bom do G.G. Encontrou uma miúda pequena nova na zona. E deu-lhe rebuçados. E disse:

- Bem, tu és uma menina muito bonita! Gostava que fosses a minha menina!

A mãe estava a ouvir à janela e desatou a correr aos gritos, a acusar o G.G. de molestar uma criança. Como não conhecia o G.G., os rebuçados e aquela conversa foram demais para ela. 

O bom do G.G. Acusado de molestar uma criança.

Entrei e ouvi o Stone a falar ao telefone com a mãe, tentando explicar-lhe que o G.G. era um homem honrado. O G.G. estava sentado à frente do seu móvel, absorto.

Quando o Stone acabou a conversa e desligou, eu disse-lhe:

- Não devias dar graxa a essa mulher. Ela tem uma mente suja. Metade das mães americanas, com as suas queridas ratas e as suas queridas filhinhas, metade das mães americanas tem a mente suja. Ela que se lixe. [...]

O Stone abanou a cabeça.

- Não, as pessoas são dinamite! São dinamite! 

 

Charles Bukowski – Correios (1971)

Antígona (2015)

 

 

amor sem perdão

04.02.21

Ele não estava bem e não cantou bem, mas o produto final era muito melhor do que ouvíamos habitualmente. Aborreci-me por não poder aplaudir sem reservas. Mas se se mente a um homem sobre o seu talento só porque ele está sentado à nossa frente essa é a mais imperdoável das mentiras, porque isso encoraja-o a continuar, e para um homem sem talento é a pior maneira de lhe destruir a vida. Mas muita gente fazia isso, sobretudo amigos e parentes. 

 

Charles Bukowski – Mulheres (1978)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2003)

 

 

certeiro

09.12.20

A seguir foram almoçar, e a lindíssima Lena ficou no meio dos dois, Variações à esquerda, Marco Paulo à direita. Um cantor recém-chegado e o artista consagrado e famosíssimo. Mas as pessoas, sobretudo as senhoras e as miúdas que entravam, iam direitas ao António a pedir-lhe autógrafos, e não olhavam para mais nada nem para mais ninguém:

- Ele era de tal maneira flashante que tudo o resto se apagava. Durante o almoço, o Marco quis mostrar que estava um bocadinho ciumento e sentido, mas na boa, porque é uma excelente pessoa. A brincar disse, António, qualquer dia ainda ponho uma bomba no teu carro! Uma cena de puto. E o António só lhe diz, mas qual carro? e desarmou-o completamente. Passados uns segundos, o Marco, que sentiu que se calhar tinha ido um bocadinho longe de mais, responde: Ó António, eu amo-te. Foi tão bonito. O António não falava muito, mas tinha um humor tão subtil, era terrivelmente certeiro, e ainda por cima não tinha mesmo carro, nem guiava, nem queria saber disso, gostava era de andar a pé. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)

Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

a(s) verdadeira(s) mudança(s) envolvendo milhões

(e estúdios eco, já agora)

14.10.20

não quero navegar num mar fácil de palavras 

 

António Ramos Rosa in O PAPEL, A MESA, O SOL, A PENA... - Obra Poética I

Assírio & Alvim (2018)