O resto são uns passeios, mas pouca conversa com os vizinhos, já que, diz o velho, com uma ponta de riso na voz: «Ainda gosto mais de estar sozinho. Há por aí muitas pessoas que se entretêm a ler o jornal da caserna, a falar da vida dos outros. Com essa gente, é bom dia, boa tarde, e mais nada.» Já quem vem de fora e quer ouvi-lo contar um pouco da sua história, é diferente. «Não é chatice nenhuma, para mim é um prazer. Ainda tenho pessoas que têm alguma consideração por mim e gostam de me vir ver.»
As visitas, entretanto, diminuíram de intensidade, bem como as ofertas. Mas Manuel teve a sua conta de donativos, levados até ali expressamente para ele, o que terá suscitado «a inveja» de outros moradores, ironiza [...] E, com o seu jeito descontraído, de quem conta histórias com facilidade, faz mais uma paragem no trajecto até casa, apoia-se no cajado e diz: «Eu de bola não percebo nada e já disse ao meu sobrinho: "Sabes o que dizia o meu avô? Todas as coisas que não me dessem lucro nem me dessem prejuízo não me deviam dar cuidado." Isso não te dá lucro nenhum e também não te dá prejuízo, estás com cuidado com a bola para quê? Não vale a pena preocupares-te com isso.»
Patrícia Carvalho – Ainda aqui estou (2018)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Patrícia Carvalho (2018)
in https://www.publico.pt/2018/10/29/sociedade/noticia/ano-sr-francisco-1849174