haja samba e axé
É pesada a pedra desta vida
que a morte enterra a cada passo
mas quem vive a luz da nova vida
senão a palavra que levanta a pedra
António Ramos Rosa in À MEMÓRIA DE VÍTOR MATOS E SÁ - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
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É pesada a pedra desta vida
que a morte enterra a cada passo
mas quem vive a luz da nova vida
senão a palavra que levanta a pedra
António Ramos Rosa in À MEMÓRIA DE VÍTOR MATOS E SÁ - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
A esperança desesperada. A desesperada esperança.
António Ramos Rosa in A PALAVRA NO DESERTO - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
A Borralheira, que era tão boa quanto bela, fez as irmãs virem viver para o palácio e casou-as no próprio dia com dois grandes senhores da corte.
Moralidade:
A beleza é para o sexo fraco um raro tesouro, que nunca nos cansamos de admirar; mas aquilo a que se chama bom feitio é sem preço e é bem mais valioso. Foi isto que a madrinha ensinou à Borralheira ao educá-la e instruí-la, tanto e tão bem que dela fez uma rainha. Belas, este dom vale mais do que estar-se bem penteada; para se prender um coração e conquistá-lo, o bom feitio é o verdadeiro dom das fadas: sem ele nada se pode, com ele tudo se consegue.
Outra moralidade:
É sem dúvida uma grande vantagem ter espírito e coragem, uma boa nascença e bom senso, assim como outros talentos semelhantes, de que se recebe do Céu uma quota-parte; mas, tendo-se embora tais talentos, não conseguirá fazê-los valer para obter sucesso na vida quem não tiver padrinhos ou madrinhas.
Francisco Vaz da Silva – Gata Borralheira e Contos Similares (2011)
Círculo de Leitores e Temas e Debates (2011)
Quando os voluntários de Esposende se puseram a caminho, no domingo, 2 de julho, já sabiam que teriam à espera deles cinco jipes, que seriam os guias pela terra queimada do Centro. Tinham sido feitos mapas, e as carrinhas e carros particulares foram divididos em cinco grupos, cada um deles com um pouco de tudo o que levavam, para que nenhum dos bens faltasse em cada localidade por onde passavam. O grupo de Coimbra deu-lhes algumas instruções. Que se esforçassem para não chorar convulsivamente à frente das pessoas que iam encontrar, para tentarem controlar as emoções, porque aquelas populações estavam muito fragilizadas. E que tivessem cuidado, porque havia algumas falsas vítimas a tentar aproveitar-se da situação [...] Mas não tinham noção, diz Sílvia. Por muito que julgassem saber, não tinham noção do que os esperava.
Primeiro, foi a paisagem. Agora, já não havia filtros do ecrã do televisor, a cor e o cheiro do queimado estavam em todo o lado [..] Depois, as pessoas. «Houve uma grande revolta, porque percebemos que, se confiássemos nas instituições, que nos diziam que já não era preciso nada, tínhamos ido de mãos a abanar. Teríamos ido dar um abraço às pessoas, um bocadinho de colo, mas não levaríamos nada. E a realidade que encontrámos foi completamente diferente. As pessoas pediam-nos água, água, que não tinham de beber. Na primeira casa pediram-nos água e eu pensei: é só aqui. Mas o pedido repetiu-se, e massacrei-me aquele dia todo, porque não me ocorreu, em pleno século XXI, que, num país desenvolvido da Europa comunitária, houvesse velhinhos sem água.
Patrícia Carvalho – Ainda aqui estou (2018)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Patrícia Carvalho (2018)
Há cerca de 22 mil pessoas no mundo que são reconhecidas como Justos Entre as Nações, mas diplomatas são menos de cem. Atualmente, há quatro portugueses nessa lista: o padre Joaquim Carreira, o embaixador Sampaio Garrido, José Brito Mendes e Aristides de Sousa Mendes. São heróis que devem ser conhecidos e estudados em todas as escolas. Mas há outros Justos estrangeiros que merecem ser conhecidos: o cônsul japonês Sugihara, que também desobedeceu ao seu governo em 1940 e, como Aristides, passou vistos a milhares de refugiados na Lituânia; Giorgio Perlasca, italiano, fez-se passar por diplomata espanhol para "falsificar" documentos, salvando muitos refugiados; Giovanni Roncalli (que veio a ser o Papa João XXIII, em 1958) "falsificou" certificados católicos de batismo para salvar judeus; e Georg Duckwitz, adido na embaixada alemã em Copenhaga, que soube dos planos nazis de deportação para a população judaica dinamarquesa - conseguiu avisar as comunidades e ajudou milhares de pessoas a fugir para a Suécia, salvando-as assim da morte certa [...]
Para salvar inocentes da morte, todos os meios são justos, e nenhum destes homens cometeu crimes ao fazê-lo, contrariamente ao que certos indivíduos extremistas escreveram em Portugal. A medalha dos "Justos" do Yad Vashem tem inscrito: «Quem salva uma vida, salva a humanidade.» Por vezes, a tradução varia, o que origina diferentes versões, mas a ideia é que cada pessoa contém em si todos os elementos do universo, todo o bem e todo o mal e, como está escrito nos livros santos, o «homem é feito à imagem e semelhança de Deus».
António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)
as mãos salvas conhecem-se, sem gestos.
[...]
os sonhos que tive desfizeram-se,
percorro agora a terra onde eles nascem
[...]
Ouso ser simples como o pão e a água.
António Ramos Rosa in TERRA IMPONDERÁVEL - Obra Poética I
Assírio & Alvim (2018)
Em momentos críticos, a ajuda dos irmãos César e José Paulo, e de primos direitos como Silvério e outros foi essencial para lhe dar algum ânimo e esperança nos últimos 14 anos de vida. A maior parte dos primos direitos vinha do lado Amaral e Abranches que, diga-se em abono da verdade, no verão de 1940 não o aplaudiram exatamente. Esses primos tinham carreiras e famílias a proteger, e estavam bem conscientes da verdadeira natureza do Estado Novo, sabiam que podiam ser atingidos por ricochete devido ao gesto rebelde do primo Aristides - que se tornaria um proscrito e uma espécie de refugiado no seu próprio país.
Um primo de Aristides, Adolfo Abranches Pinto, que foi general e ministro do exército durante quatro anos, entre 1950 e 1954, que exerceu funções de adido militar em Washington D.C. [...] foi chamado a participar em visitas de comissões internacionais aos campos de concentração, tendo de efetuar relatórios descrevendo o horror que aí viu e a vergonha que são para a espécie humana. Um dia, o primo Adolfo disse para a sua família mais próxima: «Compreendo a posição e a atitude do Aristides durante a guerra. Ele prestou um grande serviço à Humanidade!»
Dizer estas palavras é revelador de bons sentimentos, mas teria sido muito mais benéfico e corajoso da parte de um general - um homem de armas - dizê-lo diretamente a Aristides e a César. Mas a verdade é que o regime ditatorial de Salazar não existia propriamente para estimular a coerência e a dignidade. E as paredes tinham ouvidos...
António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)
Certa vez, o avô Jorge cortou a ponta do dedo com a tesoura da poda. Nesse caso, o grito foi curto e grave. Como se o som quisesse sair e ele o metesse para dentro. Lutava não apenas com o sangue que jorrava como de uma mangueira, mas com o próprio grito. E logo de seguida, com um lenço apertado no dedo, o avô conseguiu dominá-lo. Tinha sido uma questão de segundos. Um desleixo. Uma coisa a não repetir.
[...]
Aquele grito existiu, não era possível voltar atrás, mas foi remetido para a escuridão no mesmo momento em que foi produzido. A escuridão das coisas de que não é permitido falar. As coisas íntimas. As coisas que se querem só para nós.
Os gritos da mãe eram outra coisa. Eram gritos virados para fora. Queriam dizer que existiam. Viajar para longe. Perdurar no tempo e na distância. Era como se fizessem questão de permanecer dentro dela e ela os quisesse expulsar. Como se, de boca aberta, procurasse projectar o som o mais longe que podia.
E a isto, percebi depois, as pessoas chamavam desabafar.
- Deita tudo cá para fora - ouvi o resto do dia.
Isso queria dizer que o avô tinha procurado abafar a sua dor, comê-la. Por outro lado, a mãe fazia todos os possíveis para desabafar a sua dor, vomitá-la. Isto era compreensível. À partida, só conseguíamos manter uma dor dentro de nós se ela lá coubesse. E tendo em conta o que ouvi durante esses dias, era natural que a dor da mãe fosse muito maior do que a do avô.
Uma dor maior. Sem comparação possível.
Hugo Mezena – Gente Séria (2017)
Planeta Manuscrito (2018)
persistia como as tareias que se apanham na infância e nos deixam o corpo dorido até ao fim da vida.
Afonso Reis Cabral – Pão de Açúcar
Publicações Dom Quixote (2018)
Kim Phuc
08 de junho de 1972
O rapaz de calças de ganga era, afinal, uma pessoa séria. Tinha estudado muito, no seminário. O pai era um lavrador com posses, como o senhor Rodrigues, e ele só se tinha formado por devoção. Podia ter ido para médico, engenheiro ou professor. Com os conhecimentos do pai, podia estar muito bem na vida. Podia ter investido num negócio ou arranjado um tacho na câmara municipal. Se fosse uma pessoa menos decente, era o que teria feito. Tantos que queriam e não podiam!
Sem se esquecer de referir o pormenor da indumentária devida a uma pessoa que ocupava a posição dele, o meu pai dizia o mesmo (...)
As calças de ganga eram o defeito do qual ninguém, a não ser Deus, se conseguia eximir. Estávamos servidos para a vida. Que pedíssemos a Deus que o estimasse, todos os dias, nas nossas orações.
Hugo Mezena – Gente Séria (2017)
Planeta Manuscrito (2018)
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