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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

golpe e martírio

26.10.23

“Nenhum escritor tem a mania de complicar. Nenhum bom escritor, pelo menos.'
'Ah, pois não. Simplificam, é isso?'
'Também não. Nenhum escritor gosta de complicar seja o que for, e ainda menos de simplificar. A certeza do golpe está nesse rigor', torno eu. 'E o seu martírio, digo ainda baixinho”


José Cardoso Pires, O Delfim

José Augusto Neves Cardoso Pires

(2 de Outubro de 1925 — 26 de Outubro de 1998)

 

 

[há muito que] já estamos em ditadura

04.04.23

A Alice Vieira disse que a reescrita de obras clássicas é censura e que é preciso ter em conta o contexto histórico em que foram escritas. Totalmente de acordo. Também eu o digo.
A questão é que este cancelamento não toca apenas aos clássicos.
O Afonso Reis Cabral ,um dos escritores mais talentosos no panorama literário europeu, viu dois dos seus livros a terem a sua edição nos USA negados porque no caso do O Meu Irmão, um dos personagens que tem síndrome de Down poderia levantar questões e no outro, Pão de Açúcar, foi considerado que um homem cis a escrever sobre um transexual poderia também levantar outro tipo de questões. Foi senão me engano há dois/três anos.
Isto é o nosso tempo e não precisa ter em conta um certo contexto do passado. É aqui e agora.
O que é certo é que aos leitores americanos foi negado acesso a dois livros extraordinários (mérito reconhecido até pelo mesmo editor americano que não os edita pelas razões anteriormente indicadas) porque outros argumentos se levantaram além da mera qualidade literária das obras de ficção em causa. As personagens, o escritor, são de repente também julgados perante o altar de uma nova moralidade e de uma espécie de preocupação pelos leitores que acéfalos têm de ser resguardados da literatura.
Citando a Alice Vieira: isto é censura e infelizmente para os leitores americanos o Afonso Reis Cabral foi cancelado.
Por cá, onde a liberdade de escrever, editar e ler o Afonso Reis Cabral tem de ser protegida, continuaremos a editar com honra e alegria, os livros do Afonso, com os personagens que melhor entender e quando e sempre que ele entender.


Pedro Sobral
Presidente | Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL)

 

 

 

supresas boas

28.04.22

if it doesn't come bursting out of you
in spite of everything,
don't do it.
unless it comes unasked out of your
heart and your mind and your mouth
and your gut,
don't do it.
if you have to sit for hours
staring at your computer screen
or hunched over your
typewriter
searching for words,
don't do it.
if you're doing it for money or
fame,
don't do it.
if you're doing it because you want
women in your bed,
don't do it.
if you have to sit there and
rewrite it again and again,
don't do it.
if it's hard work just thinking about doing it,
don't do it.
if you're trying to write like somebody
else,
forget about it.

if you have to wait for it to roar out of
you,
then wait patiently.
if it never does roar out of you,
do something else.

if you first have to read it to your wife
or your girlfriend or your boyfriend
or your parents or to anybody at all,
you're not ready.

don't be like so many writers,
don't be like so many thousands of
people who call themselves writers,
don't be dull and boring and
pretentious, don't be consumed with self-
love.
the libraries of the world have
yawned themselves to
sleep
over your kind.
don't add to that.
don't do it.
unless it comes out of
your soul like a rocket,
unless being still would
drive you to madness or
suicide or murder,
don't do it.
unless the sun inside you is
burning your gut,
don't do it.

when it is truly time,
and if you have been chosen,
it will do it by
itself and it will keep on doing it
until you die or it dies in you.

there is no other way.

and there never was.

 

Charles Bukowski  - "so you want to be a writer?"

 

 

desacordo audiológico

17.03.22

«Não acabei a formação porque na altura o meu pai queria ir para o Brasil e convidou-me para ir trabalhar com ele. Fui fazer vendas. Foi difícil. Para teres uma noção, eu falava português e toda a gente na rua me perguntava se eu era argentino ou paraguaio[...]»

 

Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)

 

 

vergonhas [não tão] alheias II

21.02.22

A perceção de que estariam a registar-se alterações na expressão do racismo, levou ao conceito de racismo cultural na Europa dos anos 80, quando se regista uma nova argumentação a favor da rejeição da imigração proveniente das ex-colónias europeias [...] 

Embora o racismo biológico não seja posto de parte nestes movimentos, os argumentos contra a imigração de não-brancos e a rejeição em geral de pessoas de origem não-europeia focam a «diferença cultural», sendo progressivamente sistematizados e difundidos os princípios ideológicos do que viria a ser classificado como «novo racismo», ou «racismo diferencialista», ou ainda «racismo cultural», por vários cientistas sociais e filósofos. Esses princípios ideológicos podem ser resumidos da seguinte forma: as diferenças culturais entre grupos de humanos são muito profundas e remetem para diferenças de natureza; algumas culturas são superiores a outras; culturas diferentes são intrinsecamente incompatíveis e dificilmente podem coexistir numa mesma sociedade [...]

É só nos anos 90 que surgem as primeiras pesquisas que examinam se e como o senso comum inferioriza culturalmente, e se esta inferiorização se pode conceptualizar como uma nova forma de racismo.

 

Jorge Vala – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

entradas

14.06.21

Tinham de os deixar entrar porque, como era óbvio, os espanhóis não os aceitavam de volta - com o argumento de que os refugiados apenas tinham autorização para atravessar Espanha em trânsito para Portugal, como o capitão Agostinho Lourenço, chefe da PVDE, esclareceu por escrito no âmbito do processo contra Aristides de Sousa Mendes. Inúmeros testemunhos de escritores ou de simples viajantes dão conta de como a entrada em Portugal - este "paraíso triste", como lhe chamou Antoine de Saint-Exupéry - em fins de junho, princípios de julho daquele ano, constituía uma experiência digna de filme de horror. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

 

 

fazer acontecer

19.05.21

Um jornalista do Le Monde, José Alain Fralon, que seguia o processo Papon, achou curioso o argumento do Père Bernard. Encontrou-o, e escreveu um grande artigo sobre Aristides, com chamada na primeira página do Le Monde. Um artigo que deu que falar. José Alain Fralon é contactado por uma editora de Bordéus, a Mollat, e escreve Le Juste de Bordeaux, um livro que será traduzido para português, inglês e alemão. A notícia do Le Monde chega ao parlamento europeu, em Bruxelas. Desta vez, os deputados portugueses, de todos os partidos, estão disponíveis para responder afirmativamente a uma iniciativa de Otto von Habsburg, em favor do cônsul de Bordéus. Em novembro de 1998, o parlamento europeu organiza uma homenagem a Aristides de Sousa Mendes em Estrasburgo. Devido a doença grave do arquiduque, é o filho mais velho, Karl von Habsburg, quem lê o discurso principal, escrito pelo pai. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

 

tiques

17.12.20

«É aqui que a maior parte dos argumentistas se pavoneiam. E alguns actores secundários.»

Detestei-os logo, com os seus tiques e ares superiores. Eles diminuíam-se uns aos outros. A pior coisa para um escritor é conhecer outro escritor, e pior do que isso, conhecer muitos escritores. São como moscas em cima de merda. 

 

Charles Bukowski – Mulheres (1978)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2003)

 

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lembram-se sempre

16.04.20

uma gabardina antiga que pouco depois de casado já não me servia e a minha mulher guardava porque a tinha vestida na primeira vez que a vi, lembram-se sempre do que nós já esquecemos e censuram-nos por isso, nem sequer com palavras, basta um olhar 

 

António Lobo Antunes – A Última Porta Antes da Noite (2018)

Publicações Dom Quixote (2018)

 

 

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