a [que ir]Rita tão em bem
Recrimine a falta de educação.
Rita Lee
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Recrimine a falta de educação.
Rita Lee
No primeiro caso, falamos de um espectador regular do cinema, que abordou Soraia a propósito de um pretenso convite. «Veio à bilheteira e disse-me que estava na lista de convidados daquela noite. Fiz a pesquisa e não encontrei o nome, ao que ele me respondeu: "Sabe quem é que eu sou? Sou professor universitário. Procure lá isso bem, ou não sabe ler?"» Remoque ignorado, nova vista de olhos à lista de convidados. «Peço imensa desculpa, mas o seu nome não está aqui.» «Olhe, é por causa de pessoas como a menina que o país está como está. Você não tem instrução nenhuma e está-me a dizer a mim, que sou professor universitário, que eu não tenho o meu nome na lista. Provavelmente a menina nem sabe ler.» «Eu insisti que já tinha verificado várias vezes, mas ele não desarmou. "Você é uma incompetente, está aqui porque não arranja trabalho em mais lado nenhum. Deve estar aqui por caridade. Você não serve para nada." E foi-se embora.» Trémula, com os olhos marejados, Soraia acabou por ser consolada por duas clientes que assistiram à cena [...] «A verdade é que as duas senhoras me acalmaram, compraram os bilhetes delas, foram-se embora, mas depois voltaram. Trouxeram-me um pacotinho de M&M's "para alegrar o seu dia".» Mas o verdadeiro golpe de teatro (curiosamente, num cinema) estava guardado para mais tarde. Duas ou três horas depois do desaguisado, eis que surge o cliente destemperado, desta vez com um pedido de desculpas. «Eu nem queria acreditar. Ela volta à bilheteira e diz: "Queria pedir-lhe desculpa, porque falei consigo de uma forma como não devia ter falado." Fiquei estupefacta, não sei se ele me viu a chorar, a ser consolada pelas outras senhoras, ou se foi porque não lhe respondi... Se calhar estava à espera que eu alimentasse a coisa. Mas pronto, teve ali um rebate de consciência.» A acompanhar o arrependimento, o professor universitário trouxe uma caixa de bombons, que ofereceu a Soraia. «Apanhei uns nervos terríveis... mas acabei o dia cheia de chocolates.»
Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)
... um iPhone. «Um tipo ligou a dizer: "Daqui a uns minutos vou embarcar num voo e tem de resolver agora o problema com o meu telefone."Quem é que liga antes de embarcar para um voo?» Como o tempo de resposta não se coadunava com a pressa do cliente, começaram os gritos e os insultos sem freio. «Chamou-me de tudo, tudo. Nunca me tinha acontecido. E ouvia-se no corredor, ele gritava e o som saía do headset.» A ponto de chamar a atenção do supervisor de turno, que se sentou ao lado de Ricardo e lhe deu uma ordem taxativa. «Estão a insultar-te ao telefone, desliga a chamada já.»
Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)
Apesar de termos vivido uma enorme evolução ao longo das últimas décadas, ainda vivemos as consequências do atraso estrutural na área da educação. Segundo dados da Pordata [...] 45% da população empregada em 2018 tinha apenas o ensino básico completo. Para os menos familiarizados com a terminologia, isto significa que quase metade das pessoas empregadas tinham-se ficado pelo 9º ano de escolaridade, contra 27% com o ensino secundário completo e outros 27% com formação superior. (E, sim, cerca de 1% dos trabalhadores - setenta mil pessoas, para ser mais preciso - não tem qualquer formação escolar.)
Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)
Se hoje EUA e China lutam pelo papel de potência mundial, numa corrida tecnológica e espacial, há pouco mais de um século eram os britânicos que governavam as ondas, mantendo sob o seu jugo mais de 400 milhões de pessoas, então equivalente a mais de 20% da população mundial [...]
“Império não acabou quando os britânicos fizeram as malas” “Os sinos do templo, eles dizem, volta soldado inglês”, entoou distraidamente o então ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Boris Johnson, dentro do pagode de Shwedagon, o mais sagrado templo budista de Rangun, no Myanmar, em 2017.
Tratava-se da Estrada para Mandalay (1892), um nostálgico poema de Rudyard Kipling sobre um antigo soldado inglês, e as saudades que tinha de uma rapariga birmanesa que beijara. “Provavelmente não é uma boa ideia”, avisou o embaixador britânico ao seu ministro dos Negócios Estrangeiros, perante as câmaras do Channel 4, calando-o. É que, no que toca ao período colonial, muitos birmaneses recordam sobretudo os massacres cometidos pelos britânicos, suprimindo sucessivas rebeliões.
No entanto, nem sempre a memória se mantém tão viva e o sentimento anticolonial tão forte, salienta Deana Heath. Por um lado, “para garantir que os crimes coloniais ficavam por punir, os britânicos usaram táticas que iam da destruição de documentos a colocar outros num arquivo secreto no Reino Unido, que o Governo britânico só admitiu que existia em 2011”, lembra a historiadora.
Por outro lado, “as ligações culturais entre o Reino Unido e as suas antigas colónias são muito profundas. O que tem sido ajudado pelo facto de as lideranças nacionalistas, os grupos que receberam o poder dos britânicos, serem maioritariamente falantes de inglês e terem uma educação ocidental”, explica. Aliás, para muitos autores, a literatura inglesa foi usada com “máscara de conquista”, uma maneira de “afastar a atenção da brutal natureza do controlo colonial”, reflete. “Este é um exemplo de porque é que o império não acabou quando os britânicos fizeram as malas e partiram” [...]
Outros legados coloniais são menos óbvios, como a generalização da perseguição a pessoas LGBT+. Ao contrário do que se costuma imaginar, não era norma em todos os territórios colonizados antes da chegada dos britânicos. Na Índia, por exemplo, as hijra – hoje chamar-lhes-íamos mulheres trans – tinham um papel respeitado em certas culturas do subcontinente, funcionando quase como sacerdotisas. Mas tudo desapareceu com a introdução da moral Vitoriana, “os britânicos exportaram as suas normas de género por todo o mundo, tornaram-nas lei, porque o género era crucial para o projeto colonial”, explica Heath. “Era, em parte, por outras palavras, a chamada missão ‘civilizadora’ britânica”.
in https://ionline.sapo.pt/artigo/755188/reino-unido-o-que-sobra-do-imperio-brit-nico-?seccao=Mundo_i
Há quem garanta que esta "é uma história mal contada". O já falecido historiador José Hermano Saraiva, conhecido admirador do ditador, disse e escreveu: «Aristides de Sousa Mendes é uma invenção de uma certa esquerda para denegrir a memória de Salazar.» E mais: «Quem salvou os refugiados em 1940 foi o comboio [...] para lá, levavam volfrâmio, e para cá traziam refugiados.» É a versão do "volfrâmio humanitário", uma perigosa tentativa de revisionismo. José Hermano Saraiva nem pensou nas questões técnicas: comboios para minério (abertos) não são a mesma coisa que comboios para passageiros. É verdade que os nazis também usavam comboios de carga (fechados) para levar pessoas para os campos de concentração... E há outro detalhe: a bitola dos comboios ibéricos não é a mesma dos comboios para lá da fronteira de Hendaye.
Para outros, a desobediência à Circular 14 é um episódio que em vez de nos encher de orgulho nos enche de embaraço, e é melhor nem falar no assunto. Seria muito melhor se fosse mentira. E há, na realidade, tentativas de contar os factos de outra maneira, algumas que demonstram até uma abundante criatividade.
António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)
No início do giro, endireitava-se, tirava o apito, um dos grandes, e soprava, com cuspo a voar em todas as direcções. Isto era para as crianças saberem que ele tinha chegado. Levava-lhes rebuçados. Elas vinham a correr e ele ia-lhes dando os rebuçados enquanto descia a rua. O bom do G.G. [...]
Mas um dia o G.G. meteu-se numa alhada. O bom do G.G. Encontrou uma miúda pequena nova na zona. E deu-lhe rebuçados. E disse:
- Bem, tu és uma menina muito bonita! Gostava que fosses a minha menina!
A mãe estava a ouvir à janela e desatou a correr aos gritos, a acusar o G.G. de molestar uma criança. Como não conhecia o G.G., os rebuçados e aquela conversa foram demais para ela.
O bom do G.G. Acusado de molestar uma criança.
Entrei e ouvi o Stone a falar ao telefone com a mãe, tentando explicar-lhe que o G.G. era um homem honrado. O G.G. estava sentado à frente do seu móvel, absorto.
Quando o Stone acabou a conversa e desligou, eu disse-lhe:
- Não devias dar graxa a essa mulher. Ela tem uma mente suja. Metade das mães americanas, com as suas queridas ratas e as suas queridas filhinhas, metade das mães americanas tem a mente suja. Ela que se lixe. [...]
O Stone abanou a cabeça.
- Não, as pessoas são dinamite! São dinamite!
Charles Bukowski – Correios (1971)
Antígona (2015)
falou de um amigo que vinha de Amesterdão, queria trabalho, « e só você é que lhe pode dar, porque tem um projeto moderno». Com essas especificidades, António dava-lhe garantias quer em termos técnicos, quer profissionais. Por outro lado, «era rigoroso, não chegava atrasado, não faltava»; era «muito simpático com os clientes»; «não falava alto»; e, apesar da sua aparência exótica, «era uma pessoa dócil, muito simples, educadíssimo, calmo»
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)
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