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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

12
Jun23

que tilintem os guizos da tortura

Cecília

Desde que o homem deixou de combater pela apropriação de bens imediatos, como a caça que outro tinha obtido, ou a mulher, quando rareava na própria tribo, passou a guerrear pelo símbolo desses mesmos objectos. O instinto básico de satisfazer necessidades foi substituído por um estímulo de razões mais abstractas. A violência é uma mitologia do excesso. 

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

IN MEMORIAM

Que a terra lhe seja pesada.
Que lhe apodreça o corpo e os olhos fiquem vivos,
Se lhe soltem os dentes e a fome fique intacta
E a alma, se a tiver, que lha fustigue o vento
E arrase com ela a memória gravada
Na lembrança demente dos que o choram.

Que a mulher que foi dele oiça o vento na noite,
Cheio de ossos e uivos
E garfos aguçados
E que reparta o medo com o primeiro intruso
E o vento se insinue pelas portas fechadas
E rasteje no quarto
E suba pela cama
E lhe entre no olhar como estiletes de aço,
Lhe penetre os ouvidos como agulhas de som,
Lhe emaranhe os cabelos como um nó de soluços,
Lhe desfigure o rosto como um ácido em chama.

Que a mulher que foi dele oiça o vento na noite,
Que a mulher que foi dele oiça o vento na cama!

Que o nome que era o seu o persigam os ecos,
O gritem no deserto as gargantas com sede,
O murmurem no escuro os mendigos com frio,
O clamem na cidade as crianças com fome,
O soluce o amante de súbito impotente,
O maldigam no exílio as almas sem descanso.

Que o nome que era o seu seja a bandeira negra,
A pálpebra doente,
O vómito de sangue.

Que o gesto que era o seu o imitem as mães
Que se torcem de dor quando abortam nas trevas,
O desenhem a lume os braços amputados,
O perpetue o esgar dos jovens mutilados,
O dance o condenado que morre na fogueira.

Que o gesto que era o seu seja o punhal do louco,
A arma do ladrão,
A marca do vencido.

Que o sangue que era o seu o farejem os cães
Nas veias de seus filhos.
Que o sangue que era o seu se lhes veja nas mãos,
E lhes aperte os pulsos como algemas de lodo,
Lhes carregue o olhar como um sopro de infâmia,
Lhes assinale a testa como um escarro de fogo,
Lhes atormente os passos como um peso de lama.

Que o sangue que era o seu seja o rictus da tara,
A máscara de sal,
A vingança do pobre.
E que o Exterminador, no seu trono de enxofre,
o faça tilintar os guizos da tortura
Até que o mundo o esqueça
E mais ninguém o chore.

 

Ary dos Santos

 

17
Mar22

desacordo audiológico

Cecília

«Não acabei a formação porque na altura o meu pai queria ir para o Brasil e convidou-me para ir trabalhar com ele. Fui fazer vendas. Foi difícil. Para teres uma noção, eu falava português e toda a gente na rua me perguntava se eu era argentino ou paraguaio[...]»

 

Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)

 

 

12
Jan22

people

Cecília

No ar desenham-se mil caprichos, mil delícias,

mil carícias e é o ócio que vence na harmonia.

 

António Ramos Rosa in A VOLUBILIDADE DO SER - Obra Poética I

Assírio & Alvim (2018)

 

 

15
Jul21

detrações

Cecília

Há quem garanta que esta "é uma história mal contada". O já falecido historiador José Hermano Saraiva, conhecido admirador do ditador, disse e escreveu: «Aristides de Sousa Mendes é uma invenção de uma certa esquerda para denegrir a memória de Salazar.» E mais: «Quem salvou os refugiados em 1940 foi o comboio [...] para lá, levavam volfrâmio, e para cá traziam refugiados.» É a versão do "volfrâmio humanitário", uma perigosa tentativa de revisionismo. José Hermano Saraiva nem pensou nas questões técnicas: comboios para minério (abertos) não são a mesma coisa que comboios para passageiros. É verdade que os nazis também usavam comboios de carga (fechados) para levar pessoas para os campos de concentração... E há outro detalhe: a bitola dos comboios ibéricos não é a mesma dos comboios para lá da fronteira de Hendaye.

Para outros, a desobediência à Circular 14 é um episódio que em vez de nos encher de orgulho nos enche de embaraço, e é melhor nem falar no assunto. Seria muito melhor se fosse mentira. E há, na realidade, tentativas de contar os factos de outra maneira, algumas que demonstram até uma abundante criatividade. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

 

10
Dez20

ciclos

Cecília

...Voz do Operário onde, estudando à noite, parece que acabou por conseguir o seu diploma de Curso Comercial - cinco anos, fora os dois que lhe faltavam do ciclo preparatório. Curso exigente, cheio de disciplinas difíceis, cálculo comercial, contabilidade, economia política, técnica de vendas, geografia geral, história, datilografia, estenografia, português, francês, inglês. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

30
Jun20

se, mas não é

Cecília

Se os pecados fossem uma coisa simples, as pessoas só precisavam de deixar de os fazer. 

 

Hugo Mezena – Gente Séria (2017)

Planeta Manuscrito (2018)

 

 

31
Jan20

as gretas nas resoluções

Cecília

António chegou a Amesterdão em 1974, numa altura em que a cidade estava na vanguarda de um sem número de movimentos, desde a ecologia à luta anti-apartheid, passando pela liberalização das drogas ditas leves, que eram ali encarados com o mesmo pragmatismo com que, em muitos outros países, se aceitam e até estimulam outros vícios como o jogo. Havia para todos os gostos. Grupos anarquistas, ecologistas, pacifistas, os krakers, com as suas redes de okupas, que pressionavam o governo, por vezes de formas radicais, para a resolução do problema da habitação. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

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01
Out19

fala-se

Cecília

No princípio de janeiro de 1956, vivia-se um dos invernos mais rigorosos de que há memória e quando António Joaquim Rodrigues Ribeiro chegou a Lisboa, a cidade estava debaixo de um temporal. A vaga de frio que submergia toda a Europa, chegara a Portugal com o seu cortejo de aguaceiros, temporais, trovoadas e cheias e enxurradas violentas que fustigaram campos, aldeias, vilas e cidades. As inundações catastróficas, no Porto e em Lisboa, ilustram bem o ímpeto das tempestades, que mais a sul destroem pomares, as hortas e as sementeiras do Algarve. Bem como as searas do Alentejo e as lezírias ribatejanas, as quais, sepultadas sob um imenso lençol de água, não podem ser cultivadas. O que resta é destruído pelas geadas (...)

Às inundações de janeiro, segue-se, em fevereiro, uma segunda vaga de frio ainda mais intenso, que transforma as águas em gelo nos tanques, nas ruas, nas canalizações. A Basílica de Fátima aparece coberta de neve da noite para o dia 24 de fevereiro de 1956. No norte do País regista-se o maior nevão que há memória, com os comboios bloqueados ou descarrilados, sob um manto branco de um metro de espessura. Desde 1860 não fazia tanto frio em Lisboa. Imagens para recordar: a água dos lagos do Rossio gela. Em São Pedro de Alcântara há estalactites nos chafarizes. 

Toda a Europa, do Atlântico aos Balcãs, treme de frio e de horror num dos invernos mais rigorosos de que há memória e que deixará atrás de si o saldo de muitas centenas de mortos. A prodigiosa vaga de frio que atinge a Península Ibérica, deixa grande parte de Espanha e Portugal cobertos de neve, chegando às Baleares e ao Norte de África. Roma, tal como Paris, estava sob neve, que, no norte de Itália, chegou a atingir os cinco metros de altura. A Escócia sofria inundações brutais. Holanda e Bélgica, fustigadas por nevões intermináveis, e densíssimo nevoeiro. A França e a Grã-Bretanha são varridas por violentas rajadas de vento gélido e, em Londres, os arrepiantes relatos referem centenas de mortos e intoxicações pela mistura de nevoeiro e smog que envolve a cidade e arredores. Na Jugoslávia, uma barragem de gelo é demolida por bombardeamento aéreo.

Fala-se numa miniglaciação. 

 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018) 

 

 

(...)

Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da manada
Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da man...

(...)

Dona das divinas tetas
Quero teu leite todo em minha alma
Nada de leite mau para os caretas

Mas eu também sei ser careta
De perto, ninguém é normal
Às vezes, segue em linha reta
A vida, que é "meu bem, meu mal"

No mais, as "ramblas" do planeta
"Orchta de chufa, si us plau"
No mais, as "ramblas" do planeta
"Orchta de chufa, si us...

 

 

27
Ago19

sistema fixo

Cecília

(...) peixe voador fodido estrebuchando. Vago.

Eco único irredimível. Sob

as folhas murchas dos aerop DESPACHEM-SE hortos

                                                                                              [consum

idos em moralizar um sistema corrupto. Fixo.

 

 

Paulo da Costa Domingos in ARA

 

 

Paulo da Costa Domingos – Carmina (1971-1994)
Antígona (1995)

 

 

 

02
Ago19

ecos

Cecília

Ao contrário de todo mundo, que fica se ressentindo 'porque ela me deixou, não sabe o que perdeu', eu não tenho medo de dizer: eu é que fui covarde e babaca.

 

Cazuza

 

 

Y ahora intenta decir que me amas
Sin miedo a que parezca mentira otra vez
Y no lo ves
Digo yo que algo tendremos que hacer
Borra de golpe
Su nombre en mi nombre
Y así lo olvidaré
Y mira bien
Mientras yo te reproche de más
Y tu te escondas con la duda otra vez
No quiero mas pulsos
Hay tanto que perder
Hazme sentir que lo bueno está por llegar
Que esto también pasará
Hazme sentir que compartimos un mismo latir

 

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