que sim, que sim
Trabalhos relativamente precários (ou flexíveis, consoante a terminologia escolhida), experiências que implicam ralação directa com consumidores de vários géneros, passagem pelos quase obrigatórios call centers. Ricardo começou a lidar com clientes há cerca de dez anos, numa loja da zona do Chiado, em Lisboa. Um lugar tranquilo, com muitos clientes habituais, alguns curiosos, mas não só. «Também havia aqueles a quem eu chamava os loucos do Chiado; isto é mesmo a sério. Eram pessoas que iam a consultas de psicoterapia e de psiquiatria ali ao lado e que depois iam entreter-se na loja. Algumas velhinhas também iam lá depois da missa.» No caso, tratava-se de uma loja - mais exactamente uma flagship store - especializada em objectos de decoração e design, na qual Ricardo trabalhava em regime de part-time enquanto frequentava o mestrado na Faculdade de Belas-Artes. « O horário era bom e o salário, apesar de não ser elevado, compensava. Fazia umas cinco horas por dia e uma parte era paga por fora, livre de impostos, por isso valia a pena», relembra entre risos.
Daí passaria para o mais do que famoso Museu Berardo, instalado no Centro Cultural de Belém (CCB), espaço onde exercia várias funções [...] «Era um trabalho bom porque permitia bastante flexibilidade, na prática era uma prestação de serviços [...] A flexibilidade do vínculo e o acesso facilitado à entrada em funções permitiam que trabalhassem naquele espaço muitos estudantes, principalmente da área das Artes, e o público acabava por assumir diferentes matizes de comportamento. «Claro, apareciam lá imensas pessoas, de todos os tipos. Gente interessada em arte contemporânea, mas também muita gente zangada com o Berardo, coisa muito actual, até; era malta que ia para lá atirar-nos larachas, bocas, como se nós fôssemos o próprio Berardo... e o problema é que nós não podíamos dizer "olhe que eu concordo consigo."»
Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)