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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

da saga: "não sou racista [mas...] porque insisto em não tirar as palas dos olhos" II

23.05.23

Olive was telling Jack about the Somalis, who had moved here more than fifteen years ago, how it had caused a ruckus at first, Maine being such a white, white state. "And old," Olive added. But the Somalis were very entrepreneurial, according to Olive, and had started a bunch of businesses in town. 

 

Elizabeth Strout – Olive, Again (2019)
Penguin Random House UK (2019)

 

 

da saga: "não sou racista [mas...] porque insisto em não tirar as palas dos olhos" I

23.05.23

Halima looked concerned. "I don't like that," she said. "You should not be living alone."

Olive made a noise of disgust, waving her hand to indicate that this was a stupid thing to say. But Halima sat forward, pointing a finger at Olive. "In my culture," she said, "you would never be alone."

Olive didn't care for that. "Well, in my culture," Olive said, pointing her own finger toward the woman, "sons get married, go away, and never come back."

 

Elizabeth Strout – Olive, Again (2019)
Penguin Random House UK (2019)

 

 

 

Evitar o choro é murar a porta de saída. Chorar pra não represar a água. Para evitar desabamento *

23.05.23

"Well, Mom, he's probably sad about his wife," and Olive had said, "But, Chris, he walks around weeping!" And Christopher had said it was cultural. "Cultural?" Olive demanded. "What in hell does that mean?" Christopher said it meant the guy was Jewish, and Jewish men weren't ashamed to cry. 

 

Elizabeth Strout – Olive, Again (2019)
Penguin Random House UK (2019)

 

By the rivers of Babylon (1920)

Gebhard Fugel

 

* in https://cangurunews.com.br/cris-guerra-instrucoes-para-aprender-a-chorar/

 

Some of us are wise / Every other person over wise / Organize

28.03.23

Veste a bata, vai buscar o carrinho a transbordar de detergentes, panos e esfregonas e segue o seu caminho. Tem três horas para limpar corredores, elevadores e escadas de um edifício com três andares. [...] O que se segue pode parcer simples em palavras, mas torna-se cansativo na prática: das seis às nove faz limpezas, das dez às 19 horas trabalha num call center e à terça-feira e quinta-feira, meia hora depois de terminar o atendimento a clientes de uma empresa, já está a tomar conta de uma criança, trabalho que se prolonga até às dez e meia da noite. Pelo meio, tem então uma hora entre as limpezas e o call center, uma hora de almoço, 15 minutos de descanso entre chamadas e meia hora entre o call center e o babysitting.[...] Resta dizer que, no meio de todos estes trabalhos, Ana Isabel ainda conseguiu montar o seu negócio de venda online de quiches, com sabores são-tomenses, brasileiros e portugueses.

E tudo isto, a começar nas limpezas e a terminar nas crianças, para quê? Ana Isabel só quer juntar dinheiro para conseguir pagar outro mestrado. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

à escolha do freguês

16.02.23

O senhor é o exemplo do estado caótico da sociedade. Talento sem bom-senso; barbárie e cultura; grandes princípios e falta de espírito para os exercer. Sensibilidade e egoísmo que a simula; discursos pomposos e miséria da experiência. 

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

moral, bom senso, paz de espírito, regras de vida, meio termo, ambição ignorada.

08.02.23

1755 fora uma data também especial. Com as velhas paredes dos palácios setecentistas  de Lisboa caíra também uma certa casta vigorosa e subtil do português para quem a sensibilidade era o estribo das suas empresas. Depois o Marquês impusera no reino a sua férrea marca burguesa. A moral sucedeu à doce inconstância da alma de que a inspiração dum povo aproveita; o bom senso tomou o lugar do bom gosto. A paz de espírito foi assegurada pelo uso de regras de vida minuciosas e severas. A gente honesta, amante do meio termo, proliferou, fez bons negócios, e a insipidez que o cálculo protege passou a ignorar a ambição no seu alto sentido. 

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

19 MAR 2021
"Estamos em cima de um barril de pólvora que um dia vai explodir"
Engenheiro especializado em sismos e professor no Instituto Superior Técnico Mário Lopes defende que falta fiscalização das normas relativas à resistência sísmica. E que a prevenção devia começar pelos cidadãos que, desde logo, deviam exigir essas condições quando vão habitar uma casa.

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/19-mar-2021/estamos-em-cma-de-um-barril-de-polvora-que-um-dia-vai-explodir-13475414.html

 

 

saudades das vibes

21.04.22

Imagine que é convidado a responder à seguinte pergunta: «Em que medida considera que as pessoas negras e as pessoas brancas em Portugal são muito diferentes, diferentes, semelhantes ou muito semelhantes no que se refere aos valores que ensinam aos filhos?» Imagine que seguidamente teria de responder à mesma questão, agora relativamente ao grau de preocupação que brancos e negros têm com o bem-estar das famílias, a religião, a educação das crianças, os comportamentos sexuais, etc. Esta questão foi objeto de estudo numa pesquisa, já citada, realizada nos anos 90, no quadro do Eurobarómetro. Os resultados mostraram que, quanto mais os respondentes acentuavam as diferenças culturais entre os cidadãos dos países inquiridos e os imigrantes de países não-europeus, considerando-os culturalmente muito diferentes, mais manifestavam racismo biológico e mais consideravam que os imigrantes - por exemplo, pessoas negras no caso de Portugal - eram incapazes de se adaptar à sociedade de acolhimento [...] à primeira vista acentuar ou exagerar as diferenças culturais não pareceria estar relacionado com racismo tradicional e discriminação. Contudo, os resultados são claros e têm mostrado consistência ao longo de 30 anos de pesquisa. A preocupação de Lévi-Strauss tinha razão de ser: a associação subtil entre diferença e inferioridade é prova disso.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

vergonhas [não tão] alheias II

21.02.22

A perceção de que estariam a registar-se alterações na expressão do racismo, levou ao conceito de racismo cultural na Europa dos anos 80, quando se regista uma nova argumentação a favor da rejeição da imigração proveniente das ex-colónias europeias [...] 

Embora o racismo biológico não seja posto de parte nestes movimentos, os argumentos contra a imigração de não-brancos e a rejeição em geral de pessoas de origem não-europeia focam a «diferença cultural», sendo progressivamente sistematizados e difundidos os princípios ideológicos do que viria a ser classificado como «novo racismo», ou «racismo diferencialista», ou ainda «racismo cultural», por vários cientistas sociais e filósofos. Esses princípios ideológicos podem ser resumidos da seguinte forma: as diferenças culturais entre grupos de humanos são muito profundas e remetem para diferenças de natureza; algumas culturas são superiores a outras; culturas diferentes são intrinsecamente incompatíveis e dificilmente podem coexistir numa mesma sociedade [...]

É só nos anos 90 que surgem as primeiras pesquisas que examinam se e como o senso comum inferioriza culturalmente, e se esta inferiorização se pode conceptualizar como uma nova forma de racismo.

 

Jorge Vala – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

vergonhas [não tão] alheias I

21.02.22

Uma pesquisa ilustra bem a resistência dos estereótipos à evidência e, das diferentes situações que envolvia, salientamos duas: uns participantes eram confrontados com fotografias de um grupo de pessoas negras, bem vestidas, descritas num pequeno texto como tendo obtido sucesso na vida; outros participantes eram confrontados com fotografias das mesmas pessoas negras, mas agora vestidas de forma simples e descritas como tendo fracassado na vida. Era pedido aos participantes que avaliassem a cor dos membros de cada um dos grupos, num contínuo de mais negro a mais branco. Os resultados foram claros: as pessoas que apareciam bem vestidas nas fotografias e no cenário de sucesso foram percebidas como mais brancas do que as vestidas de forma simples. Das diferenças de sucesso os participantes inferiram diferenças de cor. Ao que parece, quando a realidade não confirma o estereótipo, mudamos a (perceção da) realidade para manter o estereótipo. 

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

elevações rasas

16.02.22

O facto é que os sectores primário e secundário têm perdido peso e protagonismo, em favor do sector dos serviços, que cresceu muito nas últimas duas décadas (em 2000, representava 52% do emprego, contra os 69% actuais).

Repare, caro leitor, que vivemos num país que elevou o centro comercial, vulgo shopping, a património nacional de referência. As cidades cuidavam de ter as suas praças, rossios e adros; hoje cuidam de ter o seu espaço comercial de larga escala, que acaba por mimetizar todos os outros que se encontram espalhados pelo território nacional. As mesmas marcas, as mesmas cadeias de lojas, os mesmos supermercados.

 

Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)