a cor [e a fala] do invisível
De manhã são dezenas e durante a madrugada os autocarros transportam quase exclusivamente estas trabalhadoras[...] As noites nos autocarros da Carris, em Lisboa, e as conversas com quem acorda às três ou quatro da manhã para trabalhar deixaram a certeza de que este trabalho não é conhecido, nem reconhecido [...] as trabalhadoras de limpeza industrial são as que estão mais expostas. Limpam centros comerciais, escritórios, hospitais, aeroportos, bancos, lojas, estão em todos os edifícios, porque é raro o edifício que não tem uma empregada de limpeza. Ou um empregado. Ainda assim, apesar de se cruzarem com dezenas de pessoas todos os dias, continuam a passar despercebidas.[...]
A dirigente sindical Vivalda Silva admite a realidade e admite também, depois de umas contas de cabeça, que, no Oeiras Parque, por exemplo, os números são fáceis de apurar: «As trabalhadoras são maioritariamente africanas, uns 90%. Aliás, nem me lembro se está lá alguma portuguesa.»
O Centro Comercial Colombo, na freguesia de Benfica, segue a mesma tendência [...] «em 30 e tal pessoas em cada turno[...] 95% são africanas». [...] Basta fazer uma viagem de autocarro durante a madrugada para perceber que as mulheres negras são a maioria [...] Sanie dos Santos Reis [...] fez um exercício que permitiu transformar a observação em números [...] Em três meses, viu 2369 mulheres naquele autocarro às cinco e meia da manhã. Desse total, 2132 eram negras ou de nacionalidade estrangeira. Além do autocarro [...] fez 64 viagens no comboio que liga Sintra a Lisboa. A conclusão é a mesma: das 1820 mulheres, 1660 eram negras ou de nacionalidade estrangeira.
Rita Pereira Carvalho – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)
Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)