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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

a hipótese

09.04.18

O meu meio de transporte era um Comet de 62. A jovem da casa em frente sentia-se muitíssimo ofendida com o meu carro velho. Tinha de estacionar em frente à casa dela porque era uma das poucas zonas planas do bairro e o meu carro não arrancava em subidas. Mal pegava em terreno plano, pelo que eu ficava ali sentado, a bombar o acelerador e a carregar na ignição, e o som era nojento e contínuo. A mulher começava a gritar como se estivesse a enlouquecer. Era uma das poucas vezes em que eu sentia vergonha de ser pobre. Ficava ali sentado, a dar gasadas e a rezar para que o Comet de 62 arrancasse, ao mesmo tempo que tentava ignorar os gritos de raiva que saíam da casa dispendiosa. Bombava e bombava, o carro arrancava, andava alguns metros, e ia-se abaixo outra vez. 

« Tira esse chaço da frente da minha casa ou eu chamo a polícia!» Depois os longos gritos loucos. Por fim, ela saía, de quimono, uma jovem loura, linda, mas ao que parece, completamente louca. Corria até à porta do carro a gritar e um dos seios saltava para fora. Guardava-o e o outro seio saltava para fora. E depois uma perna espreitava pela racha do quimono. «Minha senhora, por favor», dizia-lhe eu, «estou a tentar».

Finalmente, conseguia pôr o carro a andar e ela ficava no meio da rua, com os dois seios de fora, a gritar: «Não voltes a estacionar aqui o carro, nunca mais, nunca mais, nunca mais!» Era em alturas como aquela que eu considerava a hipótese de procurar emprego. 

 

 

Charles Bukowski in Um Par de Gigolôs - Música para Água Ardente (1983)

Antígona (2015)

 

 

 

mar07021.JPG

 fonte imagem: http://www.roadhouserestorables.com/gpage36.html