Pode acontecer que muitos, indivíduos ou povos, julguem, mais ou menos conscientemente, que «todos os estrangeiros são inimigos». Na maioria dos casos esta convicção jaz no fundo dos espíritos como uma infecção latente; manifesta-se apenas em actos esporádicos e desarticulados e não se constitui num sistema de pensamento. Mas quando tal acontece, quando o dogma não enunciado se torna premissa maior de um silogismo, então, no fim da cadeia, encontra-se o Lager. Ele é o produto de uma concepção do mundo levada às extremas consequências com rigorosa coerência: enquanto a concepção subsistir, as consequências ameaçam-nos. A história dos campos de extermínio deveria ser interpretada por todos como um sinal sinistro de perigo.
Primo Levi – Se Isto É Um Homem (1947) Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
Não és bom, nem és mau: és triste e humano… Vives ansiando, em maldições e preces, Como se a arder no coração tivesses O tumulto e o clamor de um largo oceano. Pobre, no bem como no mal padeces; E rolando num vórtice insano, Oscilas entre a crença e o desengano, Entre esperanças e desinteresses. Capaz de horrores e de ações sublimes, Não ficas com as virtudes satisfeito, Nem te arrependes, infeliz, dos crimes: E no perpétuo ideal que te devora, Residem juntamente no teu peito Um demônio que ruge e um deus que chora.