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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

07
Mar23

bidonvilles e os bolsos dos mesmos do costume

Cecília

Terminada que foi a polémica da transferência temporária dos migrantes asiáticos do Litoral Alentejano para as instalações de um empreendimento turístico, o assunto caiu no esquecimento. Nunca cheguei a perceber se aquilo que interessava aos órgãos de comunicação social, era a salvaguarda da integridade sanitária daqueles seres humanos, ou antes o burburinho gerado em torno da transferência para o Zmar.

Uma coisa, no entanto, ficou clara: o que os proprietários do empreendimento turístico queriam era apenas e só, dinheiro. A este propósito a SIC Noticias, dava conta em 1 de junho, que: “Trinta e quatro habitações foram cedidas ao Estado temporariamente e mediante o pagamento de 100 euros mais IVA por dia, estejam ou não ocupadas, e com retroativos a 29 de abril, data da requisição civil”. A partir de então, silêncio total.

Entretanto, aqueles homens e mulheres continuam a pernoitar em condições miseráveis em casas degradadas e em barracões feitos para alojar alfaias agrícolas e por vezes gado. Parte dos seus magros salários vão direitinho para o bolso de redes mafiosas (sim, mafiosas, com todas as letras), que com base em processos ignóbeis, apropriam-se de uma parte substancial do suor destes trabalhadores.

Aliás, todos lucram, menos os próprios. Desde logo as ditas redes mafiosas, assim como os donos dos “alojamentos”. Mas lucram também as empresas de trabalho temporário, os escritórios de advogados sem escrúpulos que ajudam a contornar uma permissiva legislação do trabalho. E lucram as empresas agrícolas, que assim têm à mão, e na mão, um exército de explorados que estão impedidos de poder beneficiar por inteiro de um direito elementar: o seu salário.

[...]

O Alentejo e o país precisam de mão de obra nalgumas áreas da atividade económica. A agricultura é claramente uma delas. Mas não podemos ter cá essas pessoas num quadro de indignidade total. A forma como esses seres humanos estão em Portugal, é demonstrativo de uma insensibilidade social, reveladora da nossa pequenez cívica.

[...]

Quando há anos via na televisão os Bidonvilles da periferia de Paris, pensava que tal nunca seria possível no Portugal do séc. XXI. O tempo encarregou-se de me trazer à razão [...]

 

Miguel Bento in https://www.oatual.pt/magazine/dos-bidonville-de-paris-as-estufas-de-odemira

 

 

15
Fev23

inner peace

Cecília

Estou prestes a sufocar de felicidade natural, e por vezes desejava que este sentimento de realização esmorecesse, que o peso da casa adormecida deixasse de existir (e que tanto se faz sentir quando nos sentamos a ler)

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

Origin: Hindhuism
Language: Sanskrit

Om Om Om
Sarvesham Svastir Bhavatu
Sarvesham Shantir Bhavatu
Sarvesham Poornam Bhavatu
Sarvesham Mangalam Bhavatu
Om, Shanti, Shanti, Shanti

Mantra's Meaning:

May there be happiness in all
May there be peace in all
May there be completeness in all
May there be success in all

 

09
Fev23

vapor alheio

Cecília

[...] em 2019.

Nesse ano, sem outras alternativas para conseguir sobreviver, atirou-se às limpezas e arrumou as malas que trouxe do Brasil num armazém de uma igreja evangélica, na Amadora, onde viviam 25 pessoas. Pelo menos era este o número identificado quando o SEF fez buscas naquelas instalações, em janeiro de 2020. Em causa estava o pagamento, por parte dessas pessoas, de rendas aos pastores da igreja, que foram constituídos arguidos.

Os quartos eram divididos por paredes de pladur, as divisões aproveitadas ao máximo, a roupa dobrada quase chegava ao teto e só havia um espaço para tomar banho. Entre a igreja e o anexo encontrava-se um terraço coberto, onde estavam duas mesas para refeições, uma máquina de lavar e muitos brinquedos das crianças. A maioria dos brasileiros que ali dormiam, no espaço quase camuflado pela fachada da igreja, eram casais com filhos. Com o tempo e depois da visita do SEF, as pessoas foram saindo - algumas encontraram casa, outras regressaram ao Brasil. Os 300 euros de renda que pagavam à igreja, conta Carol antes de entrar no auditório da igreja para mais uma missa, serviam supostamente para ajudar a pagar as contas da igreja. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

01
Mai22

1º maio

Cecília

«As pessoas andam muito saturadas, é duro. Há muita gente a trabalhar com horário repartido... Entras de manhã e ficas entre as 10h e as 15h, por exemplo... Depois vais descansar, entre aspas, e regressas às 19h para ficares até ao fecho. Como ninguém aguenta as rendas em Lisboa, mora tudo no Barreiro, ou na Linha de Sintra, não vais a casa. Ou seja, não descansas, fazes quase uma jornada contínua, todos os dias.»

 

Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)

 

 

15
Mar22

bufarinheiros

Cecília

Vagueio de casa em casa como os frades da Idade Média que enganavam as raparigas e as mulheres casadas com contas e baladas. Sou um viajante, um bufarinheiro, pagando com uma caução a hospitalidade que me oferecem; sou um convidado fácil de agradar; alguém que ora dorme no melhor quarto da casa, na cama de dossel, ora passa a noite no estábulo, deitado num molho de feno. Não me importo com as pulgas, o mesmo se passando com o toque da seda. Tenho uma percepção demasiado clara da perenidade da vida e das tentações que a caracterizam para impor proibições. Apesar de tudo, não sou tão tolerante como vos pareço

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

08
Mar22

alma de sol

Cecília

[...] chora em frente dele, com os olhos desnudados, afogados nas lágrimas. Olhos que a tornam nua.

 

Marguerite Duras – Olhos Azuis, Cabelo Preto (1986)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

15
Set21

libertações

Cecília

Pode ainda observar-se que a misteriosa doença do príncipe que se cura mal se inicia o regime de comensalidade com a princesa configura a melancolia de quem, enredado numa situação de confinamento familiar, espera a libertação matrimonial. Esta deve provir de uma noiva externa e não daquela que, criada em casa, representa a própria rainha-mãe (que a escolheu). Em suma, o príncipe doente espera a noiva que o liberte do domínio de uma mãe possessiva. 

 

Francisco Vaz da Silva – Gata Borralheira e Contos Similares (2011)
Círculo de Leitores e Temas e Debates (2011)

 

 

16
Jun21

são e normal (no meio da anormalidade aceite)

Cecília

Uma bela noite, um grupo de jovens - Rui Pêgo, Luís António Vitta, António Duarte, e António Campelo, operador da Rádio Renascença -, apareceram em casa de António Variações, onde, por iniciativa própria, mas obviamente com o apoio da Rádio, foram montar um estúdio de gravação. De camisola verde de gola alta, microfone verde, de lenço na cabeça, «e uma data de coisas penduradas, pulseiras, anéis», este abriu-lhes a porta. Era uma figura completamente fora de qualquer contexto habitual, num cenário espantoso, e nenhum deles estava preparado para...aquilo:

- Entrámos e... era tudo verde! Era de cortar a respiração. Tendo nós todos a ideia de que éramos muito informados e moderninhos, a verdade é que eu não estava de todo preparado para entrar numa casa toda verde, e ser recebido por um homem todo vestido de verde [...]

O espanto foi tal, que, segundo conta Rui Pêgo, ele e o António Duarte nem conseguiram falar muito, limitando-se a balbuciar umas amabilidades por ele os ter recebido, e a murmurar qualquer coisa como «vamos lá gravar e tal». Pelo seu lado, António Variações estava nervosíssimo. [...]

- Nervosíssimo mesmo! A única pessoa confortável nesta situação surreal era o Luís Vitta - que também não é uma figura muito normal. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

 

 

14
Jun21

ressacas

Cecília

No princípio dos anos 80, o Bairro Alto onde o fado ainda é vadio e transpira de becos e ruas, desperta do seu sonho noturno de chulos e putas velhas de tetas imensas, mais as amas dos seus filhos na rua das Gáveas, as casas de passe, as redações de jornais, lado a lado com casas pobres e casebres, palácios decrépitos, vazios ou vagamente habitados e igrejas transformadas em esquadras de polícia, conventos herméticos de muros altíssimos, de onde assomam palmeiras e ciprestres, os adelos, humildes antepassados de antiquários, e as omnipresentes leitarias e tascas onde se come bem por pouco dinheiro. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018) 

 

 

11
Jun21

preciso e necessário

Cecília

Em casa da família Sousa Mendes, em Bordéus, as orações estavam presentes nos gestos diários. Angelina não conseguia deixar de pensar, a cada momento, se conseguiriam sair vivos daquele inferno, mas pensava também que era necessária para acolher pessoas, algumas em mau estado, como certamente aconteceu muitas vezes - era preciso alimentá-las, dar-lhes carinho e conforto. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

 

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