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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Satyagraha (II)

02.10.23

Severino temia sobretudo a reação dos grandes proprietários portugueses, alguns dos quais possuíam verdadeiros exércitos privados. Contudo, esses sertanejos representavam uma ameaça remota, pois estavam a muitas centenas de quilómetros da capital e decorreriam várias semanas antes que soubessem do acontecido. Até lá, seria possível tomar medidas preventivas e mesmo, se necessário, requerer o apoio de nações amigas. Confiava-se, por outro lado, que a maioria dos colonos acabaria defendendo o levantamento, dadas as evidentes vantagens económicas que para todos adviriam da autonomia política da província. 

 

José Eduardo Agualusa – A Conjura (1989)

Quetzal Editores (2017)

 

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How long will it take you to realize?

27.06.23

Pior do que a injustiça, só a imoralidade, senhor. E então vinda de quem se preocupava tanto com a caridadezinha... 

 

João de Melo – Gente Feliz Com Lágrimas (1988)

Colecção Mil Folhas / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

transcendência precisa-se

21.09.22

[...] ensinaram que a sabedoria de vida se conquista com experiência e solidariedade e não com graus académicos; que os seres humanos, mesmo nas condições mais adversas, não perdem a esperança, o desejo de transcendência e a aspiração de justiça; que há muitos conhecimentos, para além dos académicos e científicos, muitas vezes nascidos nas lutas contra a opressão e a injustiça; que a solidariedade não é dar o que sobra mas o que faz falta; que a sociedade injusta não é uma fatalidade; e que o amanhã não é um futuro abstrato – é o amanhã mesmo.

in https://visao.sapo.pt/jornaldeletras/ideiasjl/2022-09-21-descolonizar-o-bicentenario-da-independencia-do-brasil/?utm_source=Activa&utm_medium=Gaveta_Multimarca&utm_campaign=Gavetas_Artigos_22

 

 

e aos costumes nada se faz

06.07.21

A guerra terminou a 8 de maio de 1945 e o dia 9 de maio foi declarado Dia da Paz. Os chefes dos governos dos países aliados e de outros, para comemorarem a ocasião, fizeram discursos para a nação. Portugal (ou Salazar) não podia ficar atrás, e "naturalmente", pôs-se do lado das nações vitoriosas que se bateram pela democracia, pela liberdade e pela defesa dos direitos humanos. Salazar, que se lembrou dos elogios que lhe foram dirigidos em 1940, erradamente e por engano, pela imprensa estrangeira devido à política de abertura e acolhimento de refugiados", proferiu, na Assembleia Nacional, a 18 de maio, o discurso Portugal , a Guerra e a Paz (in Discursos, Salazar). A parte que mais marcou os gémeos, os meus avôs, começava assim: «Do mais não há que falar. Quaisquer outros na nossa situação acolheriam refugiados, salvariam e agasalhariam náufragos, ajudariam a suavizar a sorte dos prisioneiros, enviariam donativos a necessitados, por dever de solidariedade humana e também para manter no mundo convulsionado por ódios mortais o que poderia ser chama, embora ténue, de caridade, antevisão, embora pálida, da justiça e da paz. Pena foi não termos podido fazer mais.»

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)

 

 

transformar-se em

25.05.21

Efetivamente, a determinação em salvar pessoas desobedecendo às ordens do governo expressas na Circular 14, a abertura de espírito e o amor ao próximo, seguindo o exemplo do «Bom Samaritano», a compaixão para com os que sofrem transformando-se num deles e aceitando todo o sofrimento que daí veio "com amor", como a Dra. Raquel Andrade tão bem exprimiu no subtítulo da sua tese de doutoramento O Diplomata que se fez Refugiado, esclarecem-nos sobre a epopeia de Aristides. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

 

look for the woman

17.05.21

Uma senhora inglesa, ao ouvir contar tantas coisas sobre o cônsul e o consulado de Portugal, dirigiu-se para lá, esperando obter um visto super-rápido, talvez por ser inglesa... De facto, não foi o que aconteceu, e quando chegou à fala com o cônsul, até sugeriu, de modo altivo, que se fosse uma questão de dinheiro, poderia dar algum. Aristides respondeu que ali, naquele momento, o dinheiro não servia para nada, mas se ela quisesse desembolsar algum, então que contribuísse para um qualquer fundo de caridade. A senhora não gostou da resposta, e imediatamente enviou uma queixa para o ministério britânico dos Negócios Estrangeiros, dizendo que o cônsul de Portugal em Bordéus protelava até altas horas o serviço de vistos e que cobrava fundos sabe-se lá para quê e para quem! Este episódio aparecerá nos autos do processo disciplinar instaurado por Salazar, algumas semanas depois. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

Concealed (2019)

Alex Frew

 

judeias à beira mar plantadas (ou venenos II)

04.05.21

Presença ausente, intratável e carinhoso, dado a explosões repentinas e a silêncios densos, mas de coração lavado. Incapaz de guardar rancores, alimentar ódios, estimular querelas. Mas cheio de uma inquestionável autoridade que o levava a confrontar até o maior dos seus amores, a própria mãe. O facto é que toda a gente o respeitava muito. Até o pai.

- Mas se tivesses de dizer alguma coisa, dizia. Não ia lavar as mãos ao rio. Uma vez virou-se para a minha mãe, e disse-lhe, você é uma beata. O que anda você a fazer na igreja? É uma beata, isso é um beatismo. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

a pão e vacinas (mas sem água...)

14.01.21

Quando os voluntários de Esposende se puseram a caminho, no domingo, 2 de julho, já sabiam que teriam à espera deles cinco jipes, que seriam os guias pela terra queimada do Centro. Tinham sido feitos mapas, e as carrinhas e carros particulares foram divididos em cinco grupos, cada um deles com um pouco de tudo o que levavam, para que nenhum dos bens faltasse em cada localidade por onde passavam. O grupo de Coimbra deu-lhes algumas instruções. Que se esforçassem para não chorar convulsivamente à frente das pessoas que iam encontrar, para tentarem controlar as emoções, porque aquelas populações estavam muito fragilizadas. E que tivessem cuidado, porque havia algumas falsas vítimas a tentar aproveitar-se da situação [...] Mas não tinham noção, diz Sílvia. Por muito que julgassem saber, não tinham noção do que os esperava. 

Primeiro, foi a paisagem. Agora, já não havia filtros do ecrã do televisor, a cor e o cheiro do queimado estavam em todo o lado [..] Depois, as pessoas. «Houve uma grande revolta, porque percebemos que, se confiássemos nas instituições, que nos diziam que já não era preciso nada, tínhamos ido de mãos a abanar. Teríamos ido dar um abraço às pessoas, um bocadinho de colo, mas não levaríamos nada. E a realidade que encontrámos foi completamente diferente. As pessoas pediam-nos água, água, que não tinham de beber. Na primeira casa pediram-nos água e eu pensei: é só aqui. Mas o pedido repetiu-se, e massacrei-me aquele dia todo, porque não me ocorreu, em pleno século XXI, que, num país desenvolvido da Europa comunitária, houvesse velhinhos sem água. 

 

Patrícia Carvalho – Ainda aqui estou (2018)

Fundação Francisco Manuel dos Santos e Patrícia Carvalho (2018)

 

 

 

galas

08.01.21

Mal consigo conter o entusiasmo para ver a sociedade educada passar horas a fingir que se importa com as crianças, quando ignora a fome nas ruas. 

 

Grace Burrowes – Coração Ardente (2017)

Quinta Essência (2019)

 

 

noblesses

03.12.20

- Se quer realmente divertir-se, talvez seja altura de se dedicar a uma ou duas obras de caridade [...]

- Noblesse oblige, no caso de quem muito recebeu, e esse tipo de coisas [...] Deve fazer parte do conselho de administração de uma obra de caridade, doar algum dinheiro e fazer a sua parte para ajudar os pobres. As damas admiram um homem com um pouco de caridade no coração, porque sugere que tem dinheiro no banco, se é que me percebe [...]

- Acha que devo abraçar a causa de algumas obras de caridade?

- Por favor, MacHugh, não seja extravagante. Comece por uma [...] Se exagerar, ou se for demasiado generoso, as pessoas dirão que está a tentar comprar a sua entrada na sociedade educada [...]

- Tenho de comprar certidões do Almack, comprar aposentos independentes que estejam na moda mas não sejam demasiado ostensivos, manter todos os alfaiates e fabricantes de botas de Bond Street ocupados, fazer o que se espera de mim na Tatts, apesar de já ter seis cavalos apenas em Londres, mandar fazer uma carruagem e um faetonte perfeitamente funcional, e frequentar bordéis e antros de jogo, mas não podem ver-me gastar muito dinheiro em caridade? 

 

Grace Burrowes – Coração Ardente (2017)

Quinta Essência (2019)