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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

27
Set22

impressão vincada

Cecília

As pessoas que apenas retêm uma impressão das coisas [...] são as que mantêm o equilíbrio no meio da corrente.

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

20
Jan22

até que (até quando?)

Cecília

[...] Sim, trata-se do eterno renascer, de uma incessante ascensão e queda.»

«Sinto que até mesmo para mim a onda se eleva. Incha; dobra-se. Tomo consciência de um novo desejo, de qualquer coisa que se ergue em mim como um cavalo orgulhoso, cujo montador esporeou antes de obrigar a parar. Que inimigo vemos avançar em direção a nós, tu, a quem agora monto enquanto desço este caminho? É a morte. É ela o inimigo. É contra a morte que ergo a minha lança e avanço com o cabelo atirado para trás [...] Esporeio o cavalo. É contra ti que me lanço, resoluto e invencível, Morte!»

 

As ondas quebram-se na praia. 

 

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

05
Jan22

bien sûr

Cecília

Sou uma rapariga aérea que ora se apaga na luz, ora se acende com o vento.

 

António Ramos Rosa in CLAREIRAS - Obra Poética I

Assírio & Alvim (2018)

 

FEMME NUE, CHEVEUX COURTS (2020)

Corinne Gégot

 

18
Mai21

que um olhar bastasse

Cecília

A opressão é permanente

as relações indiscerníveis.

 

 

António Ramos Rosa in MEDIADORA DO NÃO LUGAR - Obra Poética I

Assírio & Alvim (2018)

 

Primeiro foram as mãos que me disseram
que ali havia gente de verdade
depois fugi-te pelo corpo acima
medi-te na boca a intensidade
senti que ali dentro havia um tigre
naquele repouso havia movimento
olhei-te e no sol havia pedras
parámos ambos como se parasse o tempo
parámos ambos como se parasse o tempo

é tão dificil encontrar pessoas assim bonitas
é tão dificil encontrar pessoas assim bonitas

atrevi-me a mergulhar nos teus cabelos
respirando o espanto que me deras
ali havia força havia fogo
havia a memória que aprenderas
senti no corpo todo um arrepio
senti nas veias um fogo esquecido
percebemos num minuto a vida toda
sem nada te dizer ficaste ali comigo
sem nada te dizer ficaste ali comigo

é tão dificil encontrar pessoas assim bonitas
é tão dificil encontrar pessoas assim bonitas

falavas de projectos e futuro
de coisas banais frivolidades
mas quando me sorriste parou tudo
problemas do mundo enormidades
senti que um rio parava e o nevoeiro
vestia nos teus dedos capa e espada
queria tanto que um olhar bastasse
e não fosse no fundo preciso
queria tanto que um olhar bastasse
e não fosse preciso dizer nada

é tão dificil encontrar pessoas assim bonitas
é tão dificil encontrar pessoas assim pessoas

 

14
Mai21

figuras cheias de cor

Cecília

E ele era uma figura apaixonante no deserto desta cidade tão provinciana na época, com uma meia de cada cor, os roupões, o fato-macaco, os sapatos diferentes, o visual tão criativo e tão fantástico. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

07
Mai21

dos dois, um

Cecília

Tudo antigo, tal como uma antiga barbearia. Na casa de banho havia um pequeno urinol enfeitado com um arranjo de flores de plástico [...]

Matilde Abreu lembra-se do seu próprio encantamento:

- Para mim, era tudo novidade absoluta. Tinha quinze anos, portanto imagine-se. António teria à volta dos trinta e cinco, trinta e oito anos, e nesses tempos, não pintava a barba. Era loiro dele. Pontualmente, fazia uma descoloração e cortava o cabelo muito curto [...] Como patrão era exigentíssimo, e tinha um feitio muito especial. Um feitio difícil. Ele achava que a pessoa, olhando, tinha obrigação de, logo a seguir, saber fazer [...]

E o António era assim com as pessoas com quem tinha uma relação mais forte e mais próxima. Mas com uma pessoa tão exigente ao lado, ou se aprende bem a lição e as coisas tomam um rumo, ou então é impossível. Por isso digo, com ele ou se ama ou se odeia. Comigo foi assim.

Lições de vida. Quando a carreira musical de Variações se começou a impor, Matilde foi ficando cada vez mais responsável pelo salão. Um dia, António tentou contratar uma aprendiza para as funções que ela própria desempenhara quando começara a trabalhar com ele. Então, Matilde recordou as frases sacramentais de António: você tem de se impor, porque o mundo só tem dois tipos de pessoas, os que mandam e os que se deixam mandar. Você não quer ser do segundo, pois não? Dizia-lhe estas e outras coisas num tom seco, por vezes quase sem expressão, e continuava a trabalhar, mas Matilde guardava tudo [...]

- Ainda hoje me lembro, como se o tivesse à minha frente. O tom de voz, a expressão dos olhos, os gestos: o mundo só tem dois tipos de pessoas, os que mandam e os que se deixam mandar. Você não quer ser do segundo, pois não? 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

barbearia.jpe

a8.jpg

 

 

 

04
Mai21

conteúdos

Cecília

- Tinha aquele ar de loucura, mas o aspeto dele em nada correspondia ao seu tipo de trabalho. Havia muitas clientes que iam para o António a pensar que iam ficar com os cabelos em pé e cortes ousadíssimos. Mas saíam do mais clássico que havia, tecnicamente bom, mas muito pouco ousado.

A escritora, poeta, guionista e atriz Rosa Lobato Faria (1932-2010) lembra-se muito bem de António Joaquim Ribeiro, futuro Variações. Era sua cliente no salão de Isabel Queiroz do Vale. Muitas vezes, quando chegava, estavam outros cabeleireiros sem trabalho, mas ele já tinha umas vinte pessoas à sua espera:

- Era muito especial. Tinha péssimo feitio, era trombudo, antipático e... fascinante. Uma pessoa dizia-lhe «eu quero isto ou aquilo» e ele respondia: «não quer nada, quem decide sou eu». Alguém avisava que estava com pressa e ele respondia «se está com pressa, vá-se embora». Eu fazia sempre questão de cortar o cabelo com ele, mas sentava-me e não abria a boca. Olhava-o pelo espelho e pensava «este ser não é daqui».

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

27
Abr21

pessoas certas

Cecília

falou de um amigo que vinha de Amesterdão, queria trabalho, « e só você é que lhe pode dar, porque tem um projeto moderno». Com essas especificidades, António dava-lhe garantias quer em termos técnicos, quer profissionais. Por outro lado, «era rigoroso, não chegava atrasado, não faltava»; era «muito simpático com os clientes»; «não falava alto»; e, apesar da sua aparência exótica, «era uma pessoa dócil, muito simples, educadíssimo, calmo» 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018) 

 

 

30
Mar21

na frente

Cecília

Era uma mistura entre circo e o jardim zoológico. Não se pagava bilhete, mas fazia-se fila - uma fila monumental - à porta. Uns comentavam o espetáculo, outros limitavam-se a olhar, de boca aberta. Há vários testemunhos de época que referem, inclusivamente, a existência de «excursões» vinda de vários pontos do país para ver... aquilo. O quê? Homens e mulheres, sentados, lado a lado, a tratar da beleza dos respetivos cabelos. Quando e onde? Em 1976, no salão de Isabel Queiroz do Vale, no Centro Comercial Imaviz, acabado de estrear. Mas não só. Havia, naquele salão, um ser espantoso, inconcebível, pela forma como se vestia, como se movia, como fazia de cada corte de cabelo uma performance singular. Um cabeleireiro que exigia ser tratado como barbeiro. António Joaquim Ribeiro. 

 

Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)

Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)

 

 

27
Jan21

roda humana da fortuna

Cecília

Lucie Matuzewitz continua a sua narrativa: «Um dia, o meu marido, Joseph, conheceu um rabino de barba e cabelo ruivo, que pelas longas tranças mostrava ser muito ortodoxo e tradicional do ponto de vista religioso, e que lhe disse algo de muito espantoso: "Imagine que há dias fui abordado pelo cônsul de Portugal em Bordéus, que me perguntou onde é que estava alojado. Respondi-lhe que infelizmente estava a dormir em cima de um banco, na sala de espera da estação de caminhos de ferro, com a minha mulher e cinco filhos. O cônsul respondeu que compreendia a situação que os judeus estavam a viver, devido às mentiras que os nazis andavam a espalhar acerca das pessoas da nossa religião, e como tal ofereceu-me hospitalidade na sua própria casa - venham morar em minha casa, convidou. Desde há vários dias que estamos a viver em casa do cônsul, que é de uma amabilidade extrema connosco, e que me disse para ir aos lugares públicos da cidade e dirigir-me aos refugiados que querem sair de França para os informar de que ele dará vistos para Portugal a todos os que o desejarem." O cônsul explicou que não tinha autorização para o fazer, pois só podia passar vistos a quem já tivesse bilhete ou passagem para outro país fora da Europa, o que obviamente não é o caso para a grande maioria das pessoas. Disse saber que iria perder o seu lugar, mas daria a Portugal a honra de receber refugiados da nossa religião, podendo assim apagar os crimes dos anos 1496, quando Portugal e a Inquisição expulsaram os judeus, tal como fez Espanha. 

 

António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes  (2017)

 

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