Este registo de pecados devia ser um registo de pensamentos. Não são pecados: são pensamentos. Pensamentos que uma pessoa deve ter para se perguntar acerca das coisas.
Então, Manoel solta os freios das cerimónias, agarra-a pela cintura e, antes de a beijar, diz-lhe que as doidices de Lisboa não são nada, ao pé da doidice que ele tem por ela. Olha que estás a desfazer-me o chignon... Pois desfaço-to mesmo!
Acabam por comer a canja fria, o Manoel de camisa esgargalada e fora das calças, a Juliana de cabeleira desfeita e chambre chinês
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991) Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
Ela cala-lhe os protestos com um beijo e quer que ele lhe diga se a ama verdadeiramente. Ele jura-lhe que sim e para sempre. E os amores que teve por esse mundo fora?... Amores não, mulheres. Nunca lhe falou nisso porque foram coisas sem rasto e, para casar, escolheu-a a ela.
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991) Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
E de novo a armadilha dos abraços. E de novo o enredo das delícias. O rouco da garganta, os pés descalços a pele alucinada de carícias. As preces, os segredos, as risadas no altar esplendoroso das ofertas. De novo beijo a beijo as madrugadas de novo seio a seio as descobertas. Alcandorada no teu corpo imenso teço um colar de gritos e silêncios a ecoar no som dos precipícios. E tudo o que me dás eu te devolvo. E fazemos de novo, sempre novo o amor total dos deuses e dos bichos.