Surgiu uma mancha de sol na parte de baixo da parede do quarto, vem da porta de entrada, é do tamanho da mão, treme sobre a pedra da parede. O seu desaparecimento é brutal, é arrancada da parede à sua própria velocidade, que é a da luz. Ele diz:
- O Sol passou, veio e seguiu como nas prisões.
Marguerite Duras –Olhos Azuis, Cabelo Preto(1986)
Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)
Deolinda seguia os dois, desconfiada e temerosa do mar, mas, ao mesmo tempo, fascinada pela sua vastidão azul, pelo movimento quase hipnótico das ondas, e pelo seu incessante marulhar:
- Sente-se uma pessoa tão pequena - murmurava ela [...]
Levava as socas na mão e a trouxa com o farnel debaixo do braço. Acordavam, mal o dia despontava, iam por volta das nove da manhã para a praia, sentavam-se sempre no mesmo lugar e regressavam sem falta ao meio-dia: «Muito cuidado, sobretudo com as crianças. A pele delas é mais sensível, e para o tratamento fazer efeito a menina tem de estar nua. Depois do meio-dia o sol é um veneno. Ao fim de uns dias, com o corpo habituado, podem voltar à tarde, mas só depois das cinco horas. E não se esqueça de a pôr a dormir a sesta.
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
there’s a bluebird in my heart that wants to get out but I’m too tough for him, I say, stay in there, I’m not going to let anybody see you.
there’s a bluebird in my heart that wants to get out but I pour whiskey on him and inhale cigarette smoke and the whores and the bartenders and the grocery clerks never know that he’s in there.
there’s a bluebird in my heart that wants to get out but I’m too tough for him, I say, stay down, do you want to mess me up? you want to screw up the works? you want to blow my book sales in Europe?
there’s a bluebird in my heart that wants to get out but I’m too clever, I only let him out at night sometimes when everybody’s asleep. I say, I know that you’re there, so don’t be sad.
then I put him back, but he’s singing a little in there, I haven’t quite let him die and we sleep together like that with our secret pact and it’s nice enough to make a man weep, but I don’t weep, do you?
Um certo dia, chegou à aldeia o Tio Jaime Litorânio, que achou grave que os seus familiares nunca tivessem conhecido os azuis do mar.
Que a ele o mar lhe havia aberto a porta para o infinito. Podia continuar pobre mas havia, do outro lado do horizonte, uma luz que fazia a espera valer a pena. Deste lado do mundo, faltava essa luz que nasce não do Sol mas das águas profundas.
A fome, a solidão, a palermice do Zeca, tudo isso o Tio atribuía a uma única carência: a falta de maresia. Há coisas que se podem fazer pela metade, mas enfrentar o mar pede a nossa alma toda inteira. Era o que dizia Jaime.
- Quem nunca viu o mar não sabe o que é chorar!
Mia Couto (texto) e Danuta Wojciechowska (ilustração) – O Beijo Da Palavrinha (2008) LEYA | CEM (março 2016)