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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

06
Dez22

a cor [e a fala] do invisível

Cecília

De manhã são dezenas e durante a madrugada os autocarros transportam quase exclusivamente estas trabalhadoras[...] As noites nos autocarros da Carris, em Lisboa, e as conversas com quem acorda às três ou quatro da manhã para trabalhar deixaram a certeza de que este trabalho não é conhecido, nem reconhecido [...] as trabalhadoras de limpeza industrial são as que estão mais expostas. Limpam centros comerciais, escritórios, hospitais, aeroportos, bancos, lojas, estão em todos os edifícios, porque é raro o edifício que não tem uma empregada de limpeza. Ou um empregado. Ainda assim, apesar de se cruzarem com dezenas de pessoas todos os dias, continuam a passar despercebidas.[...]

A dirigente sindical Vivalda Silva admite a realidade e admite também, depois de umas contas de cabeça, que, no Oeiras Parque, por exemplo, os números são fáceis de apurar: «As trabalhadoras são maioritariamente africanas, uns 90%. Aliás, nem me lembro se está lá alguma portuguesa.»

O Centro Comercial Colombo, na freguesia de Benfica, segue a mesma tendência [...] «em 30 e tal pessoas em cada turno[...] 95% são africanas». [...] Basta fazer uma viagem de autocarro durante a madrugada para perceber que as mulheres negras são a maioria [...] Sanie dos Santos Reis [...] fez um exercício que permitiu transformar a observação em números [...] Em três meses, viu 2369 mulheres naquele autocarro às cinco e meia da manhã. Desse total, 2132 eram negras ou de nacionalidade estrangeira. Além do autocarro [...] fez 64 viagens no comboio que liga Sintra a Lisboa. A conclusão é a mesma: das 1820 mulheres, 1660 eram negras ou de nacionalidade estrangeira. 

 

Rita Pereira Carvalho  – As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza (2022)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)

 

 

29
Nov22

manifs

Cecília

Os romances fazem mal a muita gente, menos aos autores. Há pessoas que não conseguem encontrar na vida vulgar o lugar próprio, e depois querem conquistá-lo à força. Julgam-se excepcionais e acusam os outros de não os compreenderem. 

 

Agustina Bessa-Luís – Fanny Owen (1979)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

18
Mar22

quebra verniz(es)

Cecília

... por entre as algas, vejo a inveja, o ciúme, o ódio e o desprezo rastejarem como caranguejos por sobre a areia. 

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

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15
Mar22

[cortar] raso

Cecília

«Lisboa continua a ser trendy, embora eu ache que a coisa está a estagnar, vês mais é aquele turista do chinelo»

 

Pedro Vieira – Em que posso ser útil? (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos e Pedro Vieira (2021)

 

Todos nós nascemos originais e morremos cópias.

Carl Jung

 

11
Fev22

desiludida falta de caráter

Cecília

Observei com uma clareza desiludida a falta de identidade da rua; as suas varandas e cortinas; as roupas castanhas, a cupidez e a complacência das mulheres que trabalhavam nas lojas; os velhos passeando com as suas roupas de lã; a forma cautelosa como as pessoas atravessavam a rua; a determinação universal de se continuar a viver quando a verdade é que, seus idiotas, uma qualquer telha vos podia cair em cima e este ou aquele carro galgar o passeio 

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

 

10
Fev22

engenharia da vida

Cecília

Não quero transformar-me em alguém capaz de se sentar no mesmo sítio durante cinquenta anos a viver em função do seu umbigo. Prefiro antes transformar-me numa carroça própria para transformar vegetais, e ser arrastado por caminhos pedregosos.

 

Virginia Woolf – As Ondas (1931)

Colecção Mil Folhas / Bibliotex SL / M.E.D.I.A.S.A.T. e Promoway Portugal Ltda (2002)

 

17
Dez21

amor próprio

Cecília

Durante e após a II Guerra Mundial, muitos cientistas sociais se perguntaram como fora possível que nações inteiras seguissem líderes não democráticos, com programas de ação de extermínio de outros povos. Foi para responder a esta pergunta que um grupo de investigadores da Universidade de Berkeley concebeu um plano de investigação que começara a ser delineado por Theodor Adorno ainda na Alemanha. A hipótese de partida era a de que os motivos económicos não teriam desempenhado na ascensão do nazismo o papel determinante que na altura (e ainda hoje) se lhes atribui. Para a equipa de Adorno, seria importante explorar o papel do pensamento preconceituoso e autoritário [...] os mesmos autores mostraram que o etnocentrismo estava associado ao conservadorismo e ao autoritarismo, e este a atitudes sociais como a punição forte das pessoas consideradas desviantes, a desconfiança em relação à ciência e a visão do mundo como um lugar perigoso.

 

Jorge Vala – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

09
Jun21

uma questão de ego

Cecília

Que mais podemos esperar encontrar neste romance? Um trabalhador em conflito constante com os seus patrões. Um pobre homem que procura incessantemente o consolo na bebida, que precisa de um emprego mas que foge dele. Um homem mais inteligente e sensível do que aqueles que olham para ele de cima [...]

Alguém disposto a travar uma batalha perdida contra as autoridades, na defesa dos seus direitos, da sua honra e do que resta da sua dignidade. Um homem que anseia por uma vida mais simples, mais confortável, mais bela, mas que rapidamente parece destruir todas estas possibilidades. Um aspirante a escritor que carrega a sua cruz com outros bons homens no local de trabalho, homens com os seus próprios sonhos impossíveis e quixotescos [...]

 

Charles Bukowski – Correios (1971)

Antígona (2015)

 

 

20
Mai21

mute

Cecília

Silêncio do incontível, como

recusar a veemência

desta cegueira? [...]

Artérias vivas,

estrelas, relâmpagos,

jorrarão da obscuridade vermelha?

 

António Ramos Rosa in MEDIADORA DO MUTISMO - Obra Poética I

Assírio & Alvim (2018)

 

 

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