The truth is that Olive did not understand why age had brought with it a kind of hard-heartdness toward her husband. But it was something she had seemed unable to help, as though the stone wall that had rambled along between them during the course of their long marriage - a stone wall that separated them but also provided unexpected dips of moss-covered warm spots where sunshine would flicker between them in a sudden laugh of understanding - had become tall and unyielding, and not providing flowers in its crannies but some ice storm frozen along it instead. In other words, something had come between them that seemed insurmountable. She could, on certain days, point out to herself the addition of a boulder here, a pile of rocks there [...] but she still did not understand why they should walk into old age with this high and horrible wall between them. And it was her fault. Because as her heart become more constricted, Henry's heart became needier, and when he walked up behind her in the house sometimes to slip his arms around her, it was all she could do to not visibly shudder. Stop!, she wanted to shout. (But why? What crime had he been committing, except to ask her love?)
Elizabeth Strout – Olive, Again (2019) Penguin Random House UK (2019)
Quando os voluntários de Esposende se puseram a caminho, no domingo, 2 de julho, já sabiam que teriam à espera deles cinco jipes, que seriam os guias pela terra queimada do Centro. Tinham sido feitos mapas, e as carrinhas e carros particulares foram divididos em cinco grupos, cada um deles com um pouco de tudo o que levavam, para que nenhum dos bens faltasse em cada localidade por onde passavam. O grupo de Coimbra deu-lhes algumas instruções. Que se esforçassem para não chorar convulsivamente à frente das pessoas que iam encontrar, para tentarem controlar as emoções, porque aquelas populações estavam muito fragilizadas. E que tivessem cuidado, porque havia algumas falsas vítimas a tentar aproveitar-se da situação [...] Mas não tinham noção, diz Sílvia. Por muito que julgassem saber, não tinham noção do que os esperava.
Primeiro, foi a paisagem. Agora, já não havia filtros do ecrã do televisor, a cor e o cheiro do queimado estavam em todo o lado [..] Depois, as pessoas. «Houve uma grande revolta, porque percebemos que, se confiássemos nas instituições, que nos diziam que já não era preciso nada, tínhamos ido de mãos a abanar. Teríamos ido dar um abraço às pessoas, um bocadinho de colo, mas não levaríamos nada. E a realidade que encontrámos foi completamente diferente. As pessoas pediam-nos água, água, que não tinham de beber. Na primeira casa pediram-nos água e eu pensei: é só aqui. Mas o pedido repetiu-se, e massacrei-me aquele dia todo, porque não me ocorreu, em pleno século XXI, que, num país desenvolvido da Europa comunitária, houvesse velhinhos sem água.
Patrícia Carvalho – Ainda aqui estou (2018)
Fundação Francisco Manuel dos Santos e Patrícia Carvalho (2018)
- Se quer realmente divertir-se, talvez seja altura de se dedicar a uma ou duas obras de caridade [...]
- Noblesse oblige, no caso de quem muito recebeu, e esse tipo de coisas [...] Deve fazer parte do conselho de administração de uma obra de caridade, doar algum dinheiro e fazer a sua parte para ajudar os pobres. As damas admiram um homem com um pouco de caridade no coração, porque sugere que tem dinheiro no banco, se é que me percebe [...]
- Acha que devo abraçar a causa de algumas obras de caridade?
- Por favor, MacHugh, não seja extravagante. Comece por uma [...] Se exagerar, ou se for demasiado generoso, as pessoas dirão que está a tentar comprar a sua entrada na sociedade educada [...]
- Tenho de comprar certidões do Almack, comprar aposentos independentes que estejam na moda mas não sejam demasiado ostensivos, manter todos os alfaiates e fabricantes de botas de Bond Street ocupados, fazer o que se espera de mim na Tatts, apesar de já ter seis cavalos apenas em Londres, mandar fazer uma carruagem e um faetonte perfeitamente funcional, e frequentar bordéis e antros de jogo, mas não podem ver-me gastar muito dinheiro em caridade?
Pelas seis horas da manhã de 3 de dezembro de 1944 (...) Jaime e Deolinda de Jesus Ribeiro foram pais do quinto filho (...) o menino veio a receber o nome de António Joaquim Rodrigues Ribeiro (...)
Jaime Ribeiro era parco de palavras. Minhoto pequeno e encorpado, homem de uma força extraordinária, saía-se melhor com música no que tocava a expressar sentimentos. O que não conseguia dizer, fazia o cavaquinho dizer por si. Ou a concertina. Os seus gestos, porém, eram de uma enorme eloquência. Ao longo de todo o mês seguinte, Deolinda de Jesus descansou, rodeada de «mimos». Não estava autorizada a trabalhar, fosse no que fosse, e era alvo das maiores atenções por parte do marido. Os filhos guardam a memória desses cuidados que deixavam os próprios vizinhos estarrecidos pela novidade de um lavrador, homem do campo e sem estudos, rodear a mulher, sempre que dava à luz, de tamanhos desvelos. Assim, e nos primeiros dias após o nascimento de uma criança, era o marido quem lhe levava o tabuleiro das refeições à cama.
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018) Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)
E de novo a armadilha dos abraços. E de novo o enredo das delícias. O rouco da garganta, os pés descalços a pele alucinada de carícias. As preces, os segredos, as risadas no altar esplendoroso das ofertas. De novo beijo a beijo as madrugadas de novo seio a seio as descobertas. Alcandorada no teu corpo imenso teço um colar de gritos e silêncios a ecoar no som dos precipícios. E tudo o que me dás eu te devolvo. E fazemos de novo, sempre novo o amor total dos deuses e dos bichos.
Num abraço, pensava, as pessoas deixavam de se poder ver. Como se, num abraço, fosse indiferente quem estava mas importasse apenas a convicção com que era dado.