Esta foi mais uma chamada de atenção feita a quem contrata, nomeadamente às entidades públicas. Escolher empresas utilizando apenas o critério do menor preço «contribui para a deterioração das condições de trabalho, para o desvanecimento da qualidade e para a fuga às responsabilidades».
Rita Pereira Carvalho –As Invisíveis, Histórias sobre o trabalho de limpeza(2022)
Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rita Pereira Carvalho (2022)
Em Portugal, a tomada de consciência de que o racismo é incompatível com a democracia e os valores de liberdade e igualdade é ainda mais recente do que no resto da Europa. Após a II Guerra Mundial, Portugal não podia fazer a condenação oficial do nazismo e do fascismo pois fora um ator supostamente neutro nesse processo e era governado por uma ditadura. Além disso, Portugal era um Estado colonial, sendo as relações com os povos das colónias africanas reguladas nomeadamente pelo «Estatuto dos Indígenas», entre 1926 e 1961. É nesta última data que aquele estatuto é revogado por nova legislação, introduzida quando a guerra colonial já se havia iniciado. Esta nova legislação, que corrige marcadamente a versão de 1926, é mais uma consequência do pavor da luta pela independência das colónias do que de uma genuína promoção de relações de trabalho justas. Esta observação é sustentada pelo facto de, dez anos após a legislação de 1961, a Organização Internacional do Trabalho ainda considerar que Portugal não respeitava nas colónias os princípios defendidos por essa mesma organização.
Com o 25 de Abril, o espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi integrado na Constituição de 1976 e entrou progressivamente nas instituições portuguesas. Porém, só em 1978, 30 anos após a aprovação pela ONU da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Portugal apoia essa declaração, ao mesmo tempo que subscreve a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, criada em 1953.
Jorge Vala – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)
A sociedade portuguesa de 1940 estava muito dividida no que dizia respeito aos seus sentimentos por Salazar. E ainda hoje, apesar da revolução de 1974, que permitiu ao país viver em democracia, a memória do ditador suscita ideias contraditórias em alguns sectores: há quem insista em perpetuar a memória de um Salazar "autoritário, mas bonzinho", pondo em dúvida que tenha, sequer, colaborado com o nazismo (nem mesmo de forma não consciente). Como se barrar o caminho da salvação a potenciais vítimas da perseguição e dos campos de concentração e da morte, só para dar um exemplo que me toca mais de perto, não fosse colaboração suficiente com o horror nazi...
António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)
deus me proteja de mim e da maldade de gente boa da bondade da pessoa ruim deus me governe, guarde ilumine e zele assim caminho se conhece andando então vez em quando é bom se perder perdido fica perguntando vai só procurando e acha sem saber perigo é se encontrar perdido deixar sem ter sido não olhar, não ver bom mesmo é ter sexto sentido sair distraído e espalhar bem-querer
Era 1h15m. Os jovens militares não compreendiam nada do que se passava. Pouco depois de terem formado, aparece-lhes à frente o tal capitão, que lhes faz um discurso bastante simples: «Há várias formas de Estado: Estados liberais, estados democráticos e... o estado a que "isto" chegou. Vamos fazer um golpe de estado. Só vem quem quer. Quem não quiser, não vem.»
Entre esses «bravos» há um cadete de segundo ciclo que dá pelo nome de Francisco Fernando de Moncada de Sousa Mendes. Tem 21 anos, e é neto de Aristides e de Angelina de Sousa Mendes. É meu primo em primeiro grau, e também ele conhece bem o drama vivido pela mãe, Clotilde, pelos avós e demais familiares. Claro que o jovem diz que sim, que quer viver este momento histórico [...]
Gosto de pensar que é mais do que mera coincidência o facto de, entre os 240 que saíram nessa noite da Escola Prática de Cavalaria de Santarém em viaturas blindadas para irem fazer o tal golpe de Estado a Lisboa, haver um descendente directo de Aristides de Sousa Mendes [...] Alguém terá mais tarde dito a Francisco Fernando que o acaso não existe, e que havia uma razão para ele se encontrar naquele preciso momento na Escola Prática de Cavalaria na especialidade de atirador de cavalaria...
António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)
Outros fatores contribuíram para esta alteração no panorama musical. No final dos anos 70, alguns dos melhores artistas de antes do 25 de Abril, estavam nitidamente em crise. Zeca Afonso, farol de gerações, com discos geniais, e outros artistas, «pareciam atravessar uma crise de inspiração». A produção mais panfletária também perdera grande parte do seu interesse e força. As carreiras de cantores e compositores consagrados evidenciavam alguma arritmia. Alguns, nunca conseguirão passar «os anos 80». Como por exemplo, «Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, Carlos Mendes, toda essa gente que não consegue passar os anos 80, e ali fica, encalhada, com muita amargura nalguns casos»
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
A morada encontrada foi 14, Quai Louis XVIII, Bordéus.
Catorze, o número de filhos; 14, o número da maldita circular que Salazar iria assinar dentro de um ano, proibindo aos cônsules de carreira a concessão de vistos de entrada em Portugal a certas categorias de refugiados (aos judeus, de forma alguma); 14, o número de anos que iria durar o resto da sua vida atormentada até morrer, em 1954.
Catorze foram também os anos que o Portugal democrático levou entre o 25 Abril de 1974 e a aclamação da reintegração póstuma de Aristides na carreira diplomática, como ministro plenipotenciário de 2ª classe (embaixador), na Assembleia da República, em abril de 1988.
António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)
Aqui e ali, havia quem se queixasse da dona Maria da Conceição. Isso acontecia quando as reguadas eram dadas com um pouco mais de força do que ela própria estava à espera. Saíam-lhe mal. Neste particular, a régua de alumínio, com furos, cumpria muito bem a sua função: as mãos ardiam mas não inchavam. Por sua vez, uma pancada mal dada com a régua grossa, de madeira, podia criar uma situação incómoda para alunos, pais, professora. Uns e outros. Toda a gente.
O mesmo no que dizia respeito à pedra do anel de formatura virada para dentro, que uma ou outra vez fazia que alguém fosse embora com sangue a escorrer de uma orelha. A estratégia de bater com a cabeça de quem não sabia fazer divisões contra o quadro era em geral mais segura, ainda que acontecesse o visado aparecer no dia a seguir com um galo na testa.
Como ninguém sabia que treze anos depois da revolução de 1974 não era suposto isso acontecer, ninguém se importava. Ninguém levava isso mesmo a sério.
- Dê-lhe! - Era o que se ouvia sempre que algum adulto estava junto à secretária a falar com ela.
Para ouvirmos bem.
Caso tivéssemos dúvidas.
«Dê-lhe se ele precisar!», era a frase. E a dona Maria da Conceição cumpria a tarefa da qual fora incumbida.