patriotismo de bancada
Os patriotas são legião quando a pátria não pede que arrisquem o pêlo.
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
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Os patriotas são legião quando a pátria não pede que arrisquem o pêlo.
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
vem a ventura a quem a procura
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
«La sort natural d'un homme n'est ni d'être enchaîné, ni d'être égorgé; mais tous les hommes sont faits, comme les animaux et les plantes, pour vivre certain temps, pour produire leur semblables, et pour mourir. - Voltaire»*
* A sorte natural dum homem não é a de ser agrilhoado, nem a de ser degolado; mas todos os homens são feitos, como os animais e as plantas, para viverem um certo tempo, para produzirem os seus semelhantes e para morrerem» (Voltaire, Lettres Philosophiques)
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
Uma certa atenção treinada pela História poderia discernir neste jovem par (...) o toque subtil da decadência precoce, o drama de uma geração que já não pertence ao passado mas dele traz a herança suficiente para sentir que falhou o futuro.
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
O capitão de Intendência Octave Rigault tem uma verruga avantajada, na asa da narina direita. Esta contrariedade remedeia-a o artista facilmente, postando-se de forma a fixar o modelo a três quartos (...)
O génio matemático que Raimundo tem diante de si e do cavalete está enroupado de gala, com muitas condecorações no lado esquerdo da casaca azul do uniforme. No rosto esquinado e magro, abundam os ângulos e, para além da verruga no nariz oculta pela posição de três quartos, não se lhe vislumbra nada de interessante (...) Aguenta quase três horas completamente imóvel e calado, inexpressivo, e nem uma ruga se divisa na roupa impecável. Raimundo experimenta a sensação estranha de estar a pintar um pau fardado.
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
O frade sineiro anda ralado - os quartos de hora deixaram de soar na torre Sul do Convento, que as meias horas já se calaram misteriosamente dias atrás. Frei José dos Mártires desmontou o cilindro número quatro e não lhe encontrou defeito, inspeccionou o mecanismo do relógio e até arriscou equilíbrios perigosos para verificar se os martelos interiores e exteriores dos sinos estavam bem fixos. E nada. Os quartos de hora perderam a cantilena, o que muito desgosta o frade. Não crê que haja remédio sem a ajuda dos artífices das oficinas de Guilherme Withlock de Antuérpia, se ainda existirem. Eles construíram e montaram, vai para oitenta anos, os 46 carrilhões da torre Norte e os 47 da torre Sul, mais os mecanismos de relojoaria, e teclado para os sinos manuais e os cilindros dos mecânicos. Só que não há sequer a quem requerer a reparação e, enquanto os franceses não se forem embora, ninguém vai ralar-se além dele mesmo por ficar o tempo reduzido a um minuete de hora a hora (...) Mas o frade sineiro não se conforma. Além de se imaginar guardião do tempo, acha que o vigia melhor com música do que sem ela. E torna a verificar o cilindro preguiçoso, endireita-lhe uns dentes que lhe pareceram empenados e, da experiência, resultam duas débeis notas, um dó e um mi espaçados, melhor que nada.
O tempo, esse, não se altera. Corre na espera lenta que Deus ou os ingleses expulsem os invasores e tragam um rei bom católico que reponha a paz pôdre e conserve o santo analfabetismo do povo. Mesmo que tenham secado as fontes do ouro do Brasil, talvez se arranjem uns cruzados para se repôr o tempo por música (...)
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
A única rebelião autêntica da Igreja foi a de Cristo contra os Césares, que daí para cá é tudo uma história de conluios com os Impérios.
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
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Christ in Limbo
follower of Hieronymus Bosch
Então, Manoel solta os freios das cerimónias, agarra-a pela cintura e, antes de a beijar, diz-lhe que as doidices de Lisboa não são nada, ao pé da doidice que ele tem por ela. Olha que estás a desfazer-me o chignon... Pois desfaço-to mesmo!
Acabam por comer a canja fria, o Manoel de camisa esgargalada e fora das calças, a Juliana de cabeleira desfeita e chambre chinês
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
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Vai apreensivo com o destino do Lourenço (...) O homem tem cinco filhos e deve estar a esta hora a arrepelar-se para inventar com que lhes dar de comer.
Põe-se Frei Pedro a arquitectar planos para tirar o Lourenço da encrenca e ocorre-lhe que a solução poderá passar pelo padre Sepúlveda (...)
Santas tardes, senhor abade. E vá de lhe trinar a miséria do Lourenço, da mulher e dos cinco filhos, com acordes trágicos e tons patrióticos. Pois, que se há-de fazer... É a vida - conforma-se o cura. Frei Pedro simula espanto e indigna-se, que não se pode cruzar os braços e deixar à fome o mártir do despotismo jacobino! E, na embalagem, avança a sugestão. E se, este ano, o senhor padre Sepúlveda abdicasse do abadágio e, em seu lugar, se procedesse à recolha dos géneros pelas famílias, para acudir ao Lourenço, até se achar remédio mais duradouro? O cura empalidece, e estaca junto aos rebentos das tronchudas, fulminado. Ó Frei Pedro, o abadágio é uma tradição secular! Então quer que eu dê esse desgosto aos meus paroquianos?! Frei Pedro põe os olhos em alvo. Só este ano... O abade retoma o passeio, a fugir àquele raio que siderou o seu sossego, àquele apelo que o mói. Bom, bom, bom... Deixe lá isso comigo - diz, iluminado pela disposição de esfolar a paróquia. - Cá me arranjarei para que haja peditório para o Lourenço. E abadágio.
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
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Ela cala-lhe os protestos com um beijo e quer que ele lhe diga se a ama verdadeiramente. Ele jura-lhe que sim e para sempre. E os amores que teve por esse mundo fora?... Amores não, mulheres. Nunca lhe falou nisso porque foram coisas sem rasto e, para casar, escolheu-a a ela.
Álvaro Guerra – Razões de Coração (1991)
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