ler
- É Ludmilla que assim fala, com convicção e calor. Está sentada diante do professor, vestida de maneira simples e elegante, de cores claras. O seu modo de estar no mundo, cheia de interesse pelo que o mundo pode dar-lhe, afasta o abismo egocêntrico do romance suicida que acaba por se afundar dentro de si mesmo. (...)
O professor está à sua secretária; no cone da luz de um candeeiro de mesa sobressaem as suas mãos suspensas ou levemente pousadas no volume fechado, como numa carícia triste.
- Ler - diz ele - é sempre isto: há uma coisa que ali está, uma coisa feita de escrita, um objecto sólido, material, que não se pode alterar, e através dessa coisa comparamo-nos com outra coisa qualquer que faz parte do mundo imaterial, invisível, porque é só pensável, imaginável, ou porque existiu e já não existe, passando, perdida, inalcançável, para o país dos mortos...
- ... Ou que não está presente porque ainda não existe, algo de desejado, de temido, possível ou impossível - diz Ludmilla -, ler é ir ao encontro de qualquer coisa que está para ser e que ainda ninguém sabe o que será...
Italo Calvino – Se Numa Noite de Inverno Um Viajante (1979)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
Thoughts
John Henry Henshall
1883