fateixas
(...) o objecto que desenharia de melhor vontade, disse, era uma daquelas pequenas âncoras de quatro braços chamadas «fateixas», que usam os barcos de pesca. Apontou-me algumas ao passarmos junto dos barcos atracados ao cais, e explicou-me as dificuldades que apresentavam os quatro ganchos para se desenharem nas várias inclinações e perspectivas. Compreendi que o objecto continha uma mensagem para mim, e que eu tinha de decifrá-la: a âncora, uma exortação para me fixar, para me agarrar, para fundear, pondo fim ao meu estado flutuante, ao meu boiar à superfície. Mas esta interpretação podia dar azo a dúvidas: podia ser até um convite a zarpar, a fazer-me ao largo. Algo na forma da fateixa, os quatro dentes achatados, os quatro braços de ferro gastos pelo roçar nas rochas do fundo, advertiam-me que qualquer decisão não seria isenta de abalos e sofrimentos.
Italo Calvino – Se Numa Noite de Inverno Um Viajante (1979)
Coleção Mil Folhas PÚBLICO (2002)
Aurélia de Souza
Barcos de Pesca (não datado)
Óleo sobre tela - 33,2 x 24 cm