compras de emergência
Na primeira mercearia, o senhor Manuel, que já não era o jovem de há quarenta anos, carregava com dificuldade os caixotes de madeira para dentro, cheios de tristeza e azia. Desde que tinha sido completamente rodeado pelos hipermercados à entrada do subúrbio que o parco negócio que ele ainda conseguia fazer tinha ficado reduzido às compras de emergência. Nem as clientes de décadas, que até tinham tido direito a entregas gratuitas ao domicílio, queriam saber que ele continuava a levantar-se todos os dias às quatro da manhã para se ir abastecer e de seguida as desentalar sempre que o planeamento semanal dos jantares falhava. Elas agora só queriam promoções, sorteios, cartões de cliente e quilos de sacos grátis para o lixo. Elas, que tinham feito dele um homem rico, vingavam-se agora por todos os anos em que ele lhes tinha ferrado nos preços dando azo a inúmeras discussões domésticas.
Ricardo Adolfo, Mizé - Antes gálderia do que normal e remediada
Alfaguara (2011)