a era pós alumínio
Aqui e ali, havia quem se queixasse da dona Maria da Conceição. Isso acontecia quando as reguadas eram dadas com um pouco mais de força do que ela própria estava à espera. Saíam-lhe mal. Neste particular, a régua de alumínio, com furos, cumpria muito bem a sua função: as mãos ardiam mas não inchavam. Por sua vez, uma pancada mal dada com a régua grossa, de madeira, podia criar uma situação incómoda para alunos, pais, professora. Uns e outros. Toda a gente.
O mesmo no que dizia respeito à pedra do anel de formatura virada para dentro, que uma ou outra vez fazia que alguém fosse embora com sangue a escorrer de uma orelha. A estratégia de bater com a cabeça de quem não sabia fazer divisões contra o quadro era em geral mais segura, ainda que acontecesse o visado aparecer no dia a seguir com um galo na testa.
Como ninguém sabia que treze anos depois da revolução de 1974 não era suposto isso acontecer, ninguém se importava. Ninguém levava isso mesmo a sério.
- Dê-lhe! - Era o que se ouvia sempre que algum adulto estava junto à secretária a falar com ela.
Para ouvirmos bem.
Caso tivéssemos dúvidas.
«Dê-lhe se ele precisar!», era a frase. E a dona Maria da Conceição cumpria a tarefa da qual fora incumbida.
Hugo Mezena – Gente Séria (2017)
Planeta Manuscrito (2018)